EMENTA: DIREITO CIVIL - INDENIZAÇÃO - CONSUMIDOR - DANO MORAL - VEÍCULO - ATRASO NA ENTREGA - FORNECEDOR - RESPONSABILIDADE - COMPROVAÇÃO - ARBITRAMENTO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO PELO MAGISTRADO - EXTENSÃO DOS PREJUÍZOS - OBSERVÂNCIA DA RAZOABILIDADE. LUCROS CESSANTES DEVIDOS
Constitui-se em responsabilidade in re ipsa a do fornecedor de produto,
pelo vício, consoante o artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor,
não afastando, entretanto, a necessidade de demonstração da existência
de ato ilícito e do dano resultante.
Provada a ilicitude da
conduta dos requeridos, que não procederam com a cautela devida quando
da celebração de seus negócios, gerando com isto o prejuízo há que ser o
consumidor ressarcido pelos danos morais.
Comprovados os danos e os lucros cessantes a conduta e nexo causador impões-se o dever de sua reparação.
APELAÇÃO CÍVEL
Nº 1.0145.07.429260-1/001
Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata
dos julgamentos, à unanimidade, em REJEITAR O PRIMEIRO RECURSO E DAR
PARCIAL PROVIMENTO AO SEGUNDO.
Belo Horizonte, 27 de abril de 2011.
DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT,
RELATOR.
DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT (RELATOR)
V O T O
Trata-se de recurso interposto contra a r. sentença de f.
288/306, proferida pelo MM. Juiz de Direito da 7ª Vara Cível da Comarca
de Juiz de Fora, nos autos da ação com pretensão condenatória proposta
por CLOVILINO PAULO DA ROCHA em face de FACCHINI S/A E OUTRO(S).
A sentença julgou parcialmente procedente o pedido inicial,
condenando as rés ao pagamento em favor do autor dos lucros cessantes a
serem apurados em liquidação de sentença por arbitramento (dias em que o
caminhão ficou paralisado além do período contratado), considerando-se a
média de serviços realizados pelo autor, fretes realizados em período
anterior, decotados os gastos com combustível e manutenções normais do
caminhão.
Na mesma oportunidade, determinou que o
valor deverá ser corrigido monetariamente pela Tabela da Corregedoria, a
partir da propositura da ação e acrescido de juros de 1% ao mês a
partir da citação até a data do efetivo pagamento. Condenou a parte
autora ao pagamento de 50% das custas processuais e as rés ao pagamento
do restante das custas, ficando os honorários reciprocamente compensados
na forma do art. 21 do CPC.
Embargos de declaração
pelo autor às f. 307/308, parcialmente acolhidos para determinar a
suspensão da exigibilidade da verba honorária e das custas processuais,
em face da assistência judiciária concedida ao autor. Fica mantida a
decisão com relação aos demais termos.
Recorreram os réus, trazendo suas razões às f. 310/319. Asseveram que não houve atraso na entrega do produto, nem culpa ou responsabilidade das apelantes. Indicam que o autor tinha total conhecimento da data limite para entrega
do bem, tendo este inclusive sido entregue antecipadamente. Sustentam
que não restou demonstrado a ocorrência de quaisquer danos ao autor. Ao
final, pedem o acolhimento do recurso.
Preparo à f. 321, o recurso foi recebido à f. 322.
Contrarrazões às f. 335/338.
O autor interpôs recurso de apelação com razões às f.
323/332. Alega que no caso em questão deve ser aplicado o Código de
Defesa do Consumidor, visto que a relação de consumo é evidente. Indica
que o fato de ter adquirido o bem com intuito de introduzi-lo na cadeia
produtiva para obtenção de lucro não lhe retira a condição de
consumidor. Defende a inversão do ônus da prova, e que sejam julgados
procedentes os pedido de danos morais, materiais, lucros cessantes,
custas e honorários advocatícios.
Sem preparo, por estar litigando sob o pálio da justiça gratuita. O recurso foi recebido à f. 339.
Contrarrazões às f. 340/346.
Conheço do recurso, visto que presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.
Cuida-se de ação condenatória com pedido de danos
materiais, morais e lucros cessantes em virtude de prejuízos decorrentes
de serviços inadequados de pintura fornecimento e instalação de caçamba
com pistão e fornecimento de caixa de ferramenta.
Ressalto que irei analisar os dois recursos em conjunto.
Primeiramente, ressalto que trata-se de relação de consumo.
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14,
estabelece a responsabilidade objetiva dos fornecedores de serviço pelos
danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos
serviços, in verbis:
"Art. 14. O fornecedor de serviços
responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos
danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos
serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre
sua fruição e riscos." (grifo nosso).
(...).
Dessa forma, verifica-se que o legislador ordinário impôs, no âmbito
das relações de consumo, a aplicação da teoria da responsabilidade
objetiva nos casos em que o dano é oriundo da falha na prestação do
serviço, seja porque o serviço não funcionou, funcionou mal, ou, ainda,
tardiamente.
O art. 21 do Código de Defesa do
Consumidor, dispõe que no fornecimento de serviços que tenham por
objetivo a reparação de qualquer produto
considera-se implícita a obrigação do fornecedor de empregar
componentes de reposição originais adequados e novos, ou que mantenham
as especificações técnicas do fabricante.
Contudo, em que pese a relação de consumo autorizar a inversão do ônus da prova, não
No que diz respeito à aplicação da legislação consumerista,
vale dizer que já se encontra consolidada na doutrina e jurisprudência,
face o disposto no art. 3º, § 2º do CDC, a aplicabilidade aos contratos
financeiros, bancários e de cartão de crédito.
Ressalte-se, por oportuno, que com o advento do Código de Defesa do
Consumidor tornou-se perfeitamente possível o controle judicial dos
contratos, visando restabelecer o equilíbrio e a boa-fé das prestações
contratuais, tese alias que já vinha se sedimentando na doutrina
civilista.
Assim, forçoso concluir que o Código de
Defesa do Consumidor é aplicável ao caso em julgamento, o que de resto
não retira a análise do contrato sob todo o conjunto da legislação
especial aplicável.
Contudo, simplesmente porque
será aplicada a legislação consumerista não se determina de pronto a
inversão do ônus da prova.
Necessário esclarecer
que, aplicando-se à lide a lei consumerista, deve ser observado que o
art. 6º dispõe em seu inciso VIII a respeito da facilitação da defesa do
consumidor em seus direitos, com a previsão da inversão do ônus da
prova.
Mas, o texto de lei deixa claro que ocorrerá
a referida inversão a favor do consumidor quando "a critério do juiz,
for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as
regras ordinárias de experiências".
Neste sentido,
não se procede à inversão do ônus da prova em todas as lides que
envolvam relação de consumo, devendo ser analisado caso a caso e, apenas
o Magistrado, conforme seu critério, determinará a inversão do ônus da
prova.
Ressalte-se que as provas são destinadas à
formação do convencimento do Julgador e por isso só a ele cabe a
avaliação da necessidade da inversão do ônus probatório.
A doutrina manifesta-se a esse respeito, pelo que trago à lume
ensinamento transcrito por José Geraldo Brito Filomeno, extraído da
monografia de Cecília Matos, que leva o título "O ônus da prova no
Código de Defesa do Consumidor" (p. 236 e 237):
"A prova
destina-se a formar a convicção do julgador, que pode estabelecer com o
objeto do conhecimento uma relação de certeza ou de dúvida. Diante das
dificuldades próprias da reconstrução histórica, contenta-se o
magistrado em alcançar não a verdade absoluta, mas a probabilidade
máxima; a dúvida conduziria o julgador ao estado de non liquet, caso não
fosse elaborada uma teoria de distribuição do ônus da prova.
[...]
A
inversão do ônus da prova é direito de facilitação da defesa e não pode
ser determinada senão após o oferecimento e valoração da prova, se e
quando o julgador estiver em dúvida. É dispensável caso forme sua
convicção, nada impedindo que o juiz alerte, na decisão saneadora que,
uma vez em dúvida, se utilizará das regras de experiência a favor do
consumidor. Cada parte deverá nortear sua atividade probatória de acordo
com o interesse em oferecer as provas que embasam seu direito. Se não
agir assim, assumirá o risco de sofrer a desvantagem de sua própria
inércia, com a incidência das regras de experiência a favor do
consumidor". ( Código Brasileiro de Defesa do Consumidor, Ada Pellegrini
Grinover [et.al], 6 ed. rev. atual. e ampl., Rio de Janeiro: 1999, p.
129)
Não cabe ao autor escusar-se de sua obrigação
de provar os fatos comuns do cotidiano, alegados na peça vestibular como
fundamento do seu pedido, utilizando-se do direito que lhe assiste à
inversão do ônus probatório, já que a referida inversão só ocorrerá a
critério do Juiz, nos casos de insuficiência técnica, que gere
desigualdade de meios.
Nessa esteira, não cabendo, in casu, a inversão do ônus da prova.
Lado outro, no que diz respeito aos valores pleiteados a
título de danos materiais, entendo que não deve sofrer reforma a
sentença.
O que ocorre é que, dos autos não consta a
realização de prova pericial que pudesse elucidar a questão e atestar
as alegações do autor.
Quanto aos danos morais,
ressalte-se que ambas as rés devem responder pelos prejuízos suportados
pelo consumidor, visto que não laboraram com o zelo necessário no trato
com o cliente.
Não se trata aqui de mero
aborrecimento. Aqui deve ser observado o desgaste emocional pelo qual
passou a requerente diante do desamparo que lhe foi conferido. É
imprescindível registrar que a honra de uma pessoa é bem de extrema
preciosidade, não podendo ser valorada monetariamente. No entanto,
quando atingida, deve ter a vítima uma compensação pelo sofrimento a ela
causado e deve o agressor reparar o dano que causou.
Porém ao se afirmar sua ofensa é necessário que tal ofensa parta de
um ato jurídico específico, estabelecido um vínculo jurídico sistêmico,
gerando efetivo resultado na realidade, tudo enquadrado por assim dizer,
ao ordenamento jurídico e à realidade sociológica a qual este
ordenamento se destina.
No caso que aqui se analisa, restaram demonstrados os danos morais causados ao autor.
Ademais, os requeridos frustraram-se em comprovar fato
extintivo, modificativo ou impeditivo do direito do autor, a teor do que
preceitua o art.333, II, do CPC.
Neste contexto,
importa registrar que do conjunto probatório acostado aos autos também
restou demonstrado o nexo de causalidade entre o dano suportado pela
parte e a conduta dos requeridos, que não procederam com a cautela
devida, quando da celebração de seus negócios.
Quanto ao valor arbitrado a título de indenização, tenho que não deve servir para enriquecimentos sem causa ou exorbitantes da órbita da lide.
Ferindo a subjetividade da pessoa, seus conceitos e
sentimentos, tais como os próprios atributos pessoais da personalidade,
os danos morais devem merecer maior atenção em sua mensuração - nem por
isto, a dificuldade de estabelecer-se seu valor, deixa de ser mais real e
factível.
Logo, impende falar que na fixação do
dano moral, deverá o juiz, atendendo-se ao nexo de causalidade inscrito
no art. 1060 do Cód. Civil, levar em conta os critérios de
proporcionalidade e razoabilidade na apuração do quantum, atendidas as
condições do ofendido e do bem jurídico lesado.
Daí
que a jurisprudência tem deixado o arbitramento ao prudente julgamento
do Juiz a fixação dos valores a serem pagos a título de indenização quando se trata de lesão a bens subjetivos, tais como os danos morais, à honra, à imagem ou à estética.
Em síntese, o que se tem hoje, são os critérios de ordem
subjetiva do Julgador, por todos nós conhecidos e aplicados, dentro dos
princípios que podem ser compactados, atualmente, na máxima jurídica,
levando em conta os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade na
apuração do quanto a ser arbitrado a título de indenização pelos danos morais sofridos.
Para a fixação da indenização
o que se procura avaliar é o prejuízo para, através dele se medir o
ressarcimento, pouco interessando a intenção, já que esta interessa, na
verdade ao direito penal.
Relativamente aos lucros
cessantes, estes são perfeitamente cabíveis no caso em questão, não
merecendo reforma a sentença objurgada. Inconteste que o veículo objeto
da lide esteve na empresa requerida por tempo superior ao previsto na
contratação, ficando paralisado por culpa das rés.
Considerando, pois, os elementos acima, tenho como razoável o valor de
R$15.000,00 (quinze mil reais), cabendo a cada uma das rés arcar com
R$7.500,00 (sete mil e quinhentos reais).
Firme em
tais considerações, nego provimento à primeira apelação, e dou parcial
provimento à segunda apelação apenas para deferir o pagamento dos danos
morais, devendo cada ré arcar com o pagamento de R$7.500,00 (sete mil e
quinhentos reais) sobre os quais incidirá correção monetária da tabela
da CGJMG a partir desta data e juros de mora de 1% ao mês desde a
citação.
Condeno as rés a assumirem em partes
iguais as custas processuais, inclusive recursais, bem como honorários
de advogado que fixo em 10% sobre o valor da condenação.
DES. MARCELO RODRIGUES (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. MARCOS LINCOLN - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "REJEITARAM O PRIMEIRO RECURSO E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO SEGUNDO"