sexta-feira, 20 de julho de 2012

Taxas bancárias ilegais

EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA DE REVISÃO CONTRATUAL - CONTRATO DE FINANCIAMENTO - TAXA DE JUROS - SÚMULA 596 DO STF - LEI DE USURA INAPLICÁVEL - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - IMPOSSIBILIDADE DA COBRANÇA - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - IMPOSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO COM OUTROS ENCARGOS - TARIFAS DE ABERTURA DE CRÉDITO - COBRANÇA INDEVIDA - TAXA DE SERVIÇOS DE TERCEIROS - ILEGALIDADE DA COBRANÇA - REPETIÇÃO EM DOBRO - ARTIGO 42, PARÁGRAFO ÚNICO DO CDC - INOCORRÊNCIA DE MÁ-FÉ - SENTENÇA REFORMADA PARCIALMENTE.

Às instituições financeiras não se aplica a limitação de juros de 12% ao ano. Taxa de juros remuneratórios praticada dentro do patamar de razoabilidade, não se apresentando como abusiva ou ilegal para o período em referência.

Considerando que a Corte Superior deste Tribunal de Justiça, no Incidente de Inconstitucionalidade nº 1.0707.05.100807-6/003 reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei Provisória nº 2.170/2001, não há que se falar na possibilidade da prática da cobrança de capitalização de juros.

É possível a cobrança de comissão de permanência, contudo, configura-se ilegal a sua cumulação com juros remuneratórios, moratórios multa e correção monetária, pois apresentam o mesmo escopo, pelo que, ocorre a figura do bis in idem.

Ilegal a cobrança da taxa de abertura de crédito aos créditos concedidos após dezembro de 2007, ocasião em que o Conselho Monetário Nacional criou novas regras para disciplinar a cobrança de tarifas bancárias no Brasil.

Abusiva a cobrança de taxa denominada de "Serviços de Terceiro", frente à ausência de discriminação de sua finalidade na avença celebrada entre as partes.

Restando evidenciado nos autos que a instituição financeira agiu com base nas cláusulas contratuais, supostamente firmadas pela parte autora, legítima sua atuação, afastando a má-fé inerente ao artigo 42, parágrafo único do CDC.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0672.11.002744-4/002 - COMARCA DE SETE LAGOAS - APELANTE(S): WARLEY MARTINS DE MIRANDA - APELADO(A)(S): OMNI S/A. CRÉDITO, FINANCIAMENTO E INVESTIMENTO

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso.

Belo Horizonte, 25 de abril de 2012.

DES. WANDERLEY PAIVA

RELATOR.

DES. WANDERLEY PAIVA (RELATOR)

V O T O

Trata-se de apelação interposta à sentença de fls. 118/121, proferida pelo Ilustre Juiz José Ilceu Gonçalves Rodrigues, da 3ª Vara Cível da Comarca de Sete Lagoas que, nos atos da Ação Ordinária de Revisão Contratual proposta por Warley Martins Miranda em face de OMNI S/A Crédito, Financiamento e Investimento, julgou improcedentes os pedidos de revisão de contrato e repetição de indébito, nos termos do art. 269, I do Código de Processo Civil.

Em razão da sucumbência, o autor foi condenado ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, de 20% sobre o valor atualizado da causa, suspensas em razão do deferimento da gratuidade de justiça.

Nas razões recursais (fls. 123/134), reedita o apelante os mesmos argumentos expostos na inicial, no tocante à nulidade das cláusulas contratuais que estipulam juros remuneratórios acima do limite legal, capitalização de juros; a comissão de permanência nos períodos de inadimplência, cumulada com juros remuneratórios, juros moratórios, multa contratual e correção monetária; a taxa de abertura de crédito; a tarifa de "serviços de Terceiros".

Requer, ainda, sejam restituídos todos os valores cobrados a maior indevidamente e que seja invertido o ônus da sucumbência. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso.

Contrarrazões apresentada às fls. 137/151, pugnando pela manutenção da sentença.

Sem preparo, eis que o apelante encontra-se sob o pálio da justiça gratuita.

Em síntese, é o relatório.

Verificados os pressupostos de admissibilidade, conheço da apelação.

Cuidam os autos de ação Revisional de Contrato proposta pelo apelante face ao apelado, na qual objetiva a modificação das cláusulas contratuais relativas aos juros remuneratórios, capitalização de juros, comissão de permanência cumulada com outros encargos, taxa de abertura de crédito e taxa de serviços de terceiros.

Da sentença de improcedência dos pedidos, apela o autor reeditando os mesmos argumentos expostos na inicial, postulando pelo acolhimento de seus pedidos.

Ab initio, saliento meu entendimento de que, em face da regra disposta no art.3º, §2º, do Código de Defesa do Consumidor, às atividades bancárias, em que existam relações entre as instituições financeiras e os usuários de seus serviços, aplica-se a legislação protetiva consumerista, posicionamento este, adotado pela maioria dos Tribunais do país, concretizado, recentemente, pelo STJ através da Súmula 297, verbis:



"Súmula 297: O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras."



Com efeito, a jurisprudência e a doutrina, com base nas novas conquistas sociais, passaram a admitir a figura do "contratante fraco", ou seja, o que está mais vulnerável, por afigurar-se o mais fraco, o que é preciso proteger. Surgiram, pois, as teorias do abuso do direito e da imprevisão e está a se elaborar, no momento, um sistema de proteção ao que hoje se convencionou chamar de hipossuficiente, econômica ou tecnicamente. Surgem como exemplo máximo dessa fase, no mundo inteiro, os modernos Códigos de Defesa do Consumidor que determinam ao juiz rever instrumentos, eliminar cláusulas atentatórias ao equilíbrio contratual e declarar-lhes a nulidade (art.6º, inc.V, do Código de Defesa do Consumidor).

Desta forma, se antes o contrato possuía intocável força obrigatória, fundada na vontade das partes, que estabelecia vínculo praticamente indelével, hoje, contrariamente, o arbítrio e a autonomia dessa mesma vontade estão limitados e condicionados à lei. A lei sanciona o resultado e torna cogente a obrigatoriedade do equilíbrio, confira-se, o art. 51, IV, XV, § 1º, III e § 2º do CDC, moderno instrumento a disciplinar as relações contratuais, de inteira aplicação no caso sub judice.

Observo ainda que, o princípio contratual da soberania dos pactos (pacta sunt servanda), apesar de mitigado pelo Código de Defesa do Consumidor, não foi de todo derrogado, a contrario sensu, o CDC vem para garantir a aplicação de referido princípio, ou seja, é garantida a obrigatoriedade contratual, salvo se restar comprovado o locupletamento do fornecedor, ante a hipossuficiência do consumidor. De sorte que, nas relações de consumo, o contrato faz lei entre as partes, desde que exista o equilíbrio entre as mesmas.

No entanto, na maioria das vezes, especialmente em se tratando de contrato de adesão, como o é o presente caso, o desequilíbrio entre os contratantes é fato costumeiro e, levando em consideração a nova realidade dos tempos modernos, em que nossos tribunais têm decidido reiteradamente que o princípio do pacta sunt servanda não se constitui em óbice para que se reconheça a revisão e conseqüente nulidade de cláusula potestativa, pois não é justo que se convalide o que é abusivo e nulo, não afrontando tal decisão o princípio da isonomia, com o reconhecimento da existência do arbítrio, que consagra a prevalência da vontade unilateral, inadmissível nos contratos comutativos.

Neste sentido o egrégio Superior Tribunal de Justiça já se manifestou:



"O antigo - pacta sunt servanda - não encerra princípio absoluto. Urge conjugá-lo com a Justiça. O contrato, assim, pode ser objeto de revisão." (STJ - 6.ª Turma - REsp n. 61.342-SP (199500085283) - Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro - dec. unân., julg. em 04/04/1995, pub. no DJU de 04/09/1995, p. 27.871).



No mesmo sentido a decisão proferida pelo Egrégio TA das Gerais:



"NULIDADE - CONTRATO - CLÁUSULA ABUSIVA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - CORREÇÃO MONETÁRIA. - Se estivéssemos no século passado, período em que as partes dispunham de um certo equilíbrio contratual, seria válida a aplicação irrestrita dos princípios da autonomia da vontade do pacta sunt servanda e da liberdade contratual, todavia, na atual conjuntura, onde prevalecem a desigualdade e o desequilíbrio contratual, a utilização, de maneira indiscriminada e absoluta, daqueles princípios está a merecer ponderações e restrições do julgador. - No mundo atual, onde a regra é a contratação de massa fica difícil querer utilizar-se do paradigma contratual clássico, que se baseava na aceitação unânime e absoluta dos princípios da autonomia da vontade, do pacta sunt servanda e da liberdade contratual, para solucionar os problemas contratuais modernos, pois, sabe-se que, quase sempre, a aplicação daquele paradigma faz com que as decisões judiciais se tornem injustas, inúteis e ineficazes para os consumidores." (TAMG. 4a C. Cível. Ap. Cív. n. 0260922-3. Rel. Juíza Maria Elza. julg. em 23/09/1998, in JUIS: Jurisprudência Informatizada Saraiva - 22).



Neste contexto, torna-se inviável a utilização incondicional do paradigma contratual clássico, que se baseava na aceitação unânime e absoluta dos princípios da autonomia da vontade, do pacta sunt servanda e da liberdade contratual, para solucionar os problemas contratuais modernos, pois, sabe-se que, via de regra, a aplicação daquele paradigma implica decisões judiciais injustas para com os consumidores.

Deste modo, demonstrada está a possibilidade da declaração de revisão das cláusulas abusivas pactuadas, muito embora a vigência do princípio do pacta sunt servanda.

Não obstante, convém esclarecer que as cláusulas contratuais livremente celebradas pelas partes contratantes devem ser fielmente observadas, sendo descabida sua revisão na ausência de irregularidade ou abusividade.

Compulsando os autos, observo que a pretensão do apelante cinge-se à nulidade das cláusulas contratuais, que versem sobre cobrança de juros acima do limite legal; capitalização de juros; comissão de permanência cumulada com outros encargos e, por fim, cobrança de taxa de abertura de crédito e serviços de terceiro.

No tocante aos juros remuneratórios, requer o apelante sejam estes fixados no importe de 1% ao mês.

Pois bem, no que tange ao percentual cobrado a título de juros remuneratórios mensais pelas instituições financeiras, convém ressaltar que, após a Emenda Constitucional n.º 40, de 29 de maio de 2003, não há mais o que se discutir quanto à auto-aplicabilidade do art.192, §3º, da CF, uma vez que o aludido dispositivo foi revogado.

Além disso, pacífico é o entendimento de que as operações financeiras não estão vinculadas às disposições do Decreto 22.626/33, inclusive, existindo entendimento sumulado neste aspecto:



Súmula 596 do STF - As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional.



Como não poderia ser diferente o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA também se pronunciou a respeito da questão, inclusive posicionando-se no sentido de que os juros remuneratórios, cobrados pelas instituições financeiras, não se submetem às limitações da Lei de Usura, e que não há abusividade na sua cobrança, se eles se encontram dentro da taxa média do mercado financeiro:



"COMERCIAL - CONTRATO BANCÁRIO - JUROS REMUNERATÓRIOS - A legislação não limita os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras, que, todavia, estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor (STJ, Súmula nº 297). Os juros podem ser abusivos se destoarem da taxa média de mercado sem que as peculiaridades do negócio os justifiquem - circunstância que não ficou evidenciada nos autos. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg-AI 817.539/PR - (2006.0200192-5) - 3ª T. - Rel. Min. Ari Pargendler - DJU 04.06.2007);



"PROCESSUAL CIVIL - CONTRATO BANCÁRIO - JUROS REMUNERATÓRIOS - NÃO-LIMITAÇÃO - SÚMULA Nº 596/STF - Os juros remuneratórios cobrados por instituições que integrem o sistema financeiro nacional não se submetem às limitações da Lei da Usura. Os juros remuneratórios não são abusivos se não superam, substancialmente, a taxa média de mercado na praça da contratação." (STJ - AgRg-AI 925.475/SE - 3ª T. - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros - DJU 17.12.2007).



O STF, por sua vez, com o efetivo propósito de afastar, de vez, a polêmica criada em torno da norma do § 3º do art. 192, da Constituição Federal, e colocar um ponto final à questão, culminou por editar a Súmula Vinculante nº 07, que dispõe:



"A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional nº 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicação condicionada à edição de lei complementar."



Não há ilicitude, portanto, nem abusividade na cobrança de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano nos contratos bancários, pois conforme explicitado é cediço que a Lei de Usura não se aplica às instituições financeiras, ficando a fixação de juros a cargo do Conselho Monetário Nacional através de seu órgão executivo, o Banco Central.

Ademais, a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano não é, a princípio, abusiva, como determina a Súmula 382 do STJ:



Súmula 382/STJ - A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.



Diante disso, é de se afirmar a insustentabilidade da tese de que os juros remuneratórios praticados pelas instituições financeiras são limitados a 12% ao ano.

Na hipótese, conforme se vê do Contrato de fls. 33/34 as taxas de juros remuneratórios foram fixadas no percentual de 2,63% ao mês e 36,55% ao ano, percentual este que se encontra dentro dos patamares de razoabilidade, não havendo, portanto, que se falar em abusividade na sua cobrança.

No que concerne à capitalização de juros, alega o apelante a sua ocorrência, em afronta à legislação pertinente ao caso.

O anatocismo, ou capitalização de juros, ocorre quando, após o vencimento de uma operação o credor cobra juros sobre os juros vencidos e não pagos.

Acerca da capitalização de juros, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou nos seguintes termos:



Súmula 121: "É vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente pactuada."



Não obstante o enunciado da Súmula acima transcrita, anteriormente me posicionava no sentido da possibilidade da capitalização de juros, embasado na MP 1.963-17/2000, atualmente sob o nº 2.170-36, em contratos firmados a partir de 31/03/2000, desde que expressamente pactuada.

Revendo meu posicionamento, passo a entender pela impossibilidade da cobrança da capitalização de juros, mesmo que pactuada. Assim, o faço pelos seguintes motivos:

Como se sabe, o Partido Liberal, no ano de 2000, interpôs ADI 2.316, cujo objeto é justamente a declaração de inconstitucionalidade do artigo 5º, caput e § único da MP 2.170-36/2001, que possibilitou expressamente a capitalização de juros em período inferior ao anual. O Relator, Ministro Sidney Sanches, através de decisão exarada em abril de 2002 acolheu o pedido liminar para decretar a suspensão de mencionado dispositivo, no que foi acompanhado pelo Ministro Carlos Velloso em 15/12/2005. Todavia, em sessão de novembro de 2008 a Ministra Carmen Lúcia, acompanhada pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito indeferiram a medida cautelar.

A Ministra Carmen Lúcia justificou seu voto utilizando passagens da exposição de motivos da MP, entendendo que a determinação legislativa demonstrava o intuito da União em diminuir o "spread e sua convergência com os padrões mundiais, de forma a incentivar o decréscimo do valor total da taxa de juros suportado pelas pessoas físicas e jurídicas, a fim de criar um panorama mais propício ao desenvolvimento econômico do Brasil." Ainda de acordo com a exposição de motivos, a Ministra ponderou sobre o benefício ao devedor da capitalização em período inferior ao anual, uma vez que poderia trazer maior facilidade de renegociação de dívidas.

Na mesma oportunidade o Ministro Marco Aurélio deferiu a cautelar, acompanhando o voto do relator Ministro Sydnei Sanches, salientando que faltava urgência ao tema abordado pela MP, bem como em relação à impossibilidade de uma Medida Provisória vigorar indefinidamente no tempo. O Ministro Carlos Britto, também acompanhou o Relator.

O julgamento foi então suspenso, para ser retomado com quorum completo, sendo que, até o presente momento, ainda não há notícias de que o mesmo foi incluído em pauta de julgamento.

Além desta questão, há ainda que se ressaltar que a Corte Superior deste Tribunal de Justiça, no Incidente de Inconstitucionalidade nº 1.0707.05.100807-6/003 reconheceu a inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei Provisória nº 2.170/2001.

Eis os termos da ementa do aludido incidente:



Incidente de Inconstitucionalidade. Capitalização de juros. Periodicidade. Vedação. Matéria regulada em lei. Disciplina alterada. Medida provisória. Impropriedade. Objeto diverso. Urgência. Inexistência. Sistema financeiro. Matéria afeta a lei complementar. Questão submetida ao Supremo Tribunal Federal. Controle concentrado. Pendência de julgamento. Inconstitucionalidade declarada incidentalmente. (Corte Superior do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Incidente de Inconstitucionalidade nº 1.0707.05.100807-6/003. Relator Des. Herculano Rodrigues, DJE: 30/09/2008).



Acerca da questão, eis o entendimento deste Tribunal de Justiça:



CONTRATO BANCÁRIO - CDC - CLÁUSULAS ABUSIVAS - REVISÃO - JUROS - LIMITE - CAPITALIZAÇÃO - ILEGALIDADE - ART. 5º, MP 2.170-36 - INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELA CORTE SUPERIOR DO TJMG - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - LIMITAÇÃO - REPETIÇÃO DE INDÉBITO - FORMA. 1. As operações bancárias entre mutuário e instituição financeira ficam submetidas às condições e limites preconizados no Código de Defesa do Consumidor. 2. Em se tratando de relação jurídica submetida às disposições do CDC, as cláusulas consideradas abusivas e ilegais são nulas de pleno direito, podendo tal vício ser arguido judicialmente. 3. Está sedimentado no STJ o entendimento de que as instituições bancárias podem cobrar juros remuneratórios em percentual superior a 1% ao mês, observada a taxa média praticada no mercado, segundo os parâmetros divulgados pelo Banco Central do Brasil. 4. A capitalização mensal dos juros é vedada, salvo exceções legais, como as cédulas de crédito bancário, industrial, rural e comercial.5. Inconstitucionalidade do art. 5º da Medida Provisória n.º 2170/2001 declarada incidentalmente pela Corte Superior do TJMG, no incidente de inconstitucionalidade de n.º 1.0707.05.100807-6/003.-6. ""A importância cobrada a título de comissão de permanência não poderá ultrapassar a soma dos encargos remuneratórios e moratórios previstos no contrato, ou seja: a) juros remuneratórios à taxa média de mercado, não podendo ultrapassar o percentual contratado para o período de normalidade da operação; b) juros moratórios até o limite de 12% ao ano; e c) multa contratual limitada a 2% do valor da prestação, nos termos do art. 52, § 1º, do CDC"" (REsp 1058114/RS). 7. Nos casos em que for constatada a cobrança indevida, ou seja, aquela realizada em desacordo com o restou expressamente contratado, a repetição de indébito deve ser realizada em dobro. Nos casos de cobrança abusiva, mas de acordo com o que restou expressamente contratado, a repetição deve ser realizada de forma simples. V.v.p. Não

comprovada a capitalização mensal de juros, não há que se falar em abusividade. O entendimento mais recente do STJ é pela legalidade da comissão de permanência calculada à taxa de mercado e incidente cumulativamente com juros moratórios e multa. (Apelação nº 1.0024.10.059.259-1/002, Relator Desembargador Guilherme Luciano Baeta Nunes, data da publicação: 29/07/2011).



Frise-se, por essa razão, a capitalização dos juros é vedada, aos particulares ou às instituições financeiras, salvo exceções legais (cédulas de crédito - que não é o caso dos autos).

No que se refere à comissão de permanência, há que se esclarecer que esta foi instituída através de Resoluções expedidas pelo Banco Central do Brasil, como modalidade de encargo financeiro cobrado pelas instituições financeiras, em razão do crescimento vertiginoso dos índices da inflação, e, face à ausência, na ocasião, de previsão legal da correção monetária. Sua aplicação foi idealizada como forma de compensar os prejuízos suportados pelas instituições financeiras com a mora do credor.

A comissão de permanência tem a mesma finalidade da correção monetária, ou seja, promover a atualização e a remuneração do capital na hipótese de inadimplemento, não podendo se apresentar como lucro ou acréscimo do débito, que deve e merece ser corrigido para preservar o poder aquisitivo da moeda.

Previstos em lei os encargos específicos, com naturezas distintas e transparentes, para o período de inadimplência, tais como a multa e os juros moratórios, não há razão plausível para admitir a comissão de permanência cumulativamente com aqueles, haja vista ser encargo de difícil compreensão para o devedor, que não foi criado por lei, mas previsto em resolução do Banco Central do Brasil, Resolução. nº 1.129/86.

Sob esta ótica, então, a comissão de permanência, efetivamente, não tem mais razão de ser.

Porém, caso seja pactuada, deve ser respeitada a vontade das partes, pois lícita a sua incidência, contudo, não pode ser cumulada com os encargos transparentes, criados por lei e com finalidades específicas, sob pena de, repita-se, incorrer em "bis in idem", já que aquela, além de possuir um caráter punitivo, aumenta a remuneração da instituição financeira, seja como juros remuneratórios, seja como juros simplesmente moratórios.

Sendo assim, tolerar a incidência de comissão de permanência, cumulativamente, com juros remuneratórios, juros moratórios, multa e correção monetária, seria permitir o "bis in idem", pois apresentam o mesmo escopo, situação com a qual não se pode compactuar, sob pena de configuração do enriquecimento ilícito do agente financeiro.

Justamente por pactuar com tal entendimento, o STJ sumulou a questão:



"Súmula 30 - A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis."

"Súmula 296 - Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência, são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central do Brasil, limitada ao percentual contratado."



Nestes termos, a comissão de permanência não pode ser cobrada cumulativamente com outros encargos, como juros remuneratórios e moratórios, correção monetária e multa contratual, sob pena de ocorrer bis in idem, em razão de seu caráter atualizador e remunerador do débito.

Conforme se vê do contrato celebrado entre as partes, (fls. 33/34) na cláusula 4, referente aos encargos a serem cobrados no caso de atraso no pagamento, consta que:



"No caso de atraso de pagamento de qualquer prestação o FINANCIADO pagará os seguintes encargos:

A) comissão de permanência, calculada à taxa do dia do pagmaento:

B) juros de mora de 1% (um por cento) ao mês

C) multa de 2% (dois por cento) sobre o débito em aberto,

D) (...)

Do exposto, vê-se claramente a cobrança de comissão de permanência cumulada com juros de mora e multa contratual.

Contudo, a previsão da cobrança do referido encargo não é exigível, devendo, pois, subsumir-se ao disposto na lei.

A corroborar esse entendimento, reveja-se a jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça:

Vejam-se os seguintes julgados:



"CORREÇÃO MONETÁRIA, JUROS REMUNERATÓRIOS, JUROS MORATÓRIOS E MULTA CONTRATUAL - INACUMULATIVIDADE - SÚMULAS 30, 294 E 296/STJ - DESPROVIMENTO. 1 - Com relação à cobrança da comissão de permanência, a Eg. Segunda Seção desta Corte já firmou posicionamento no sentido de ser lícita a sua cobrança após o vencimento da dívida, devendo ser observada a taxa média dos juros de mercado, apurada pelo Banco Central do Brasil, não sendo admissível, entretanto, seja cumulada com a correção monetária, com os juros remuneratórios, nem com multa ou juros moratórios. Incidência das Súmulas 30, 294 e 296 do STJ. Precedentes (REsp 699.181/MG, AgRg REsp nºs 688.627/RS e 712.801/RS). 2 - Agravo regimental desprovido". (AgRg no Ag 811.512 / RS ; Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 2006/0190316-3 Relator Ministro Jorge Scartezzini -Quarta Turma - DJ 12.03.2007 p. 249).



No mesmo sentido é o entendimento desta Câmara, senão vejamos:



"EMENTA: BUSCA E APREENSÃO - CONVERSÃO EM AÇÃO DE DEPÓSITO - DECRETO-LEI 911/69 - EXAME DE QUESTÕES CONTRATUAIS - PESSOA FÍSICA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - CUMULAÇÃO COM JUROS E MULTA - VEDAÇÃO EXPRESSA. VOTO VENCIDO PARCIALMENTE. Diante do procedimento de busca e apreensão com fulcro no Decreto-lei 911/69, é possível o exame de questões contratuais, conforme ampliação promovida pela Lei 10.931/04. É expressamente vedada a cobrança de comissão de permanência cumulada com juros e multa.V.v.p.: A comissão de permanência é inacumulável com correção monetária, bem como com juros moratórios e multa (Súmulas 30 e 294 do STJ), devendo ser mantida e excluindo-se os demais encargos, e não substituída pelo INPC." (TJMG - Apelação Cível n° 1.0394.05.050780-2/001 - Des. Rel. Fernando Caldeira Brant - 11ª Câmara Cível - 08/07/09)(g.n.)



Neste enfoque, de igual forma, há de se reconhecer que a comissão de permanência não poderá ultrapassar o percentual de juros remuneratórios e nem se cumula com nenhum outro encargo, tais como juros de mora, multa e correção monetária.

Concernente à Taxa de Abertura de Crédito, razão novamente assiste ao autor.

Isso porque, a cobrança de referido encargo foi excluída pelo Conselho Monetária Nacional - CMN, que criou novas regras para disciplinar a cobrança de tarifas bancárias no Brasil, tal como pode ser conferido nas alterações efetuadas através das Resoluções do CMN n. 3.516; 3.517 e 3.518, bem como as Circulares do Banco Central n. 3.371 e 3.377.

Citadas legislações datam de dezembro de 2007, com exceção da Circular n. 3377 que é de fevereiro de 2008.

Nesse raciocínio, considerando que os créditos concedidos ao autor o foram no ano de 2008, posterior a edição das medidas legislativas acima enunciadas, estas se aplicam ao caso em comento.

Logo, a taxa de abertura de crédito (TAC), no caso em exame, mostra-se ilegal e deve ser extirpada da condenação.

No que pertine à cobrança do denominado "Serviços de Terceiro", descriminada no "quadro 3" do contrato de fls. 33/34, reputo-a abusiva, porquanto inexiste qualquer discriminação quanto à sua finalidade, sendo que constitui direito básico do consumidor conhecer acerca dos produtos e serviços que lhe são ofertados, nos exatos termos do art. 6, III, do CDC.

Lado outro, não entendo pela necessidade de aplicação do art.940 do CCB, restituição em dobro do valor eventualmente cobrado a maior, como objetiva a apelante, pois restou evidenciado que a instituição financeira agiu com base nas cláusulas contratuais, o que legitima sua atuação, afastando a má-fé inerente ao art. 42, parágrafo único, do CDC

A exegese desse dispositivo legal conduz à necessidade de demonstração de culpa inescusável na cobrança a maior, o que não se configura quando a exigência se fundamenta em estipulações contratadas entre as partes. Hipótese de engano justificável, considerando existir divergência até na jurisprudência quanto à legalidade dos encargos exigidos.

Deste modo, não há como ter lugar a aplicabilidade do que dispõe o artigo 42 do CDC.

Com tais considerações, dou provimento parcial ao recurso, para determinar a impossibilidade da cobrança da capitalização de juros; a possibilidade da cobrança da comissão de permanência, no entanto, sem cumulação com outros encargos, limitada à taxa do contrato, e extirpar a cobrança das taxas de abertura de crédito e serviços de terceiros. A devolução há de ser de forma simples dos valores pagos a maior, a ser apurado em liquidação de sentença.

Em face do novo resultado deverá a parte autora, ora apelante, arcar com custas processuais e honorários advocatícios, estes na importância de R$ 1.200,00, na proporção de 50% para o autor e 50% para o réu, suspensa a exigibilidade do pagamento em relação àquele, nos termos da Lei n.º 1060/50.

Custas recursais pelas partes, no mesmo percentual exposto acima, suspensa a exigibilidade do pagamento em relação ao autor, por litigar sob o pálio da justiça gratuita.



DES.ª SELMA MARQUES (REVISORA)

V O T O

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO - CAPITALIZAÇÃO MENSAL DE JUROS -POSSIBILIDADE APÓS MARÇO DE 2000 E DESDE QUE PACTUADA - NÃO PACTUAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA.

Por força da Medida Provisória 2.170-36, de 31 de março de 2000, é permitida capitalização mensal de juros nos contratos bancários celebrados após março de 2000 e, desde que tal possibilidade esteja expressa de forma nítida no contrato.

Não havendo pactuação expressa de capitalização de juros, a sua cobrança deve ser extirpada.

Súmula: DAR PARCIAL PROVIMENTO.



Após detida análise dos autos, acompanho o Eminente Relator, contudo com fundamento diverso quanto à capitalização mensal de juros.

Pois bem. Consiste a capitalização dos juros "na soma de seu montante ao capital, para efeito de produzir juros, isto é, corresponde à operação que envolve o cálculo de juros sobre juros adicionada ao capital". (Arnaldo Rizzardo. Contratos de Crédito Bancário. 2007. p. 469). Sobre sua incidência cumpre registrar que nos "contratos de abertura de crédito bancário, ainda que expressamente pactuada, é vedada a capitalização mensal dos juros, somente admitida nos casos previstos em lei, hipótese diversa dos autos. Incidência do art. 4º do Decreto n. 22.626/33 e da Súmula n. 121-STF", (REsp. 265862 / RS RECURSO ESPECIAL 2000/0066581-9 Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR T4 - QUARTA TURMA DJ 30.10.2000 p. 164 JBCC vol. 195 p. 122). No sentido de ser vedada a capitalização mensal de juros dispõe ainda a súmula 121 do STF.



Importa, no entanto, frisar que desde "a promulgação da Medida Provisória nº 2.177-36/2001, as instituições financeiras estão livres, ademais para capitalizar juros em períodos inferiores a um ano, desde que tal prática seja convencionada pelas partes, pois tal norma, em seu artigo 5º, expressamente autorizou tal atividade. A capitalização mensal é vedada, todavia, para períodos anteriores à edição da MP nº 2.170-36/2001". (Fátima Nancy Andrighi. Comentários ao Novo Código Civil. vol. IX. 2008. p. 175).



Deste modo, o artigo 5º da MP nº. 2170-36 permite a capitalização dos juros em periodicidade inferior a um ano. Tal regra aplica-se aos contratos bancários celebrados a partir de 31.03.2000.



Não se olvida do trâmite da ADI 2316 distribuída em 21/09/2000, cujo objetivo é justamente ver declarada a inconstitucionalidade do art. 5º da MP. 2.170-36 que autoriza a capitalização mensal de juros.



Na Sessão Plenária de 03/04/2002 o então Relator, Ministro Sydney Sanches suspendeu a eficácia da cabeça do art. 5º, parágrafo único, da MP 2.170-36, dispositivo que é justamente aquele que autoriza a capitalização de juros pelas instituições financeiras.


Em 15/12/2005 o Ministro Carlos Velloso acompanhou o Relator, para também deferir a medida cautelar. No entanto, ressalte-se que somente em 05/11/2008 a Medida Cautelar foi reincluída em pauta para julgamento. Nesta oportunidade a Ministra Cármen Lúcia e o Ministro Menezes Direito votaram indeferindo a medida cautelar, enquanto os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto votaram no sentido de deferi-la. Após o julgamento foi suspenso para sua retomada com quorum completo, sendo que ainda não houve reinclusão em pauta.

Note-se que o contrato em exame foi celebrado após março de 2000 (ff. 33-34), quando já estava vigente a medida que autorizava a capitalização mensal de juros, tendo previsão acerca da sua incidência. In casu, não se verifica a previsão de capitalização no contrato celebrado, devendo, pois, ser excluída a sua cobrança.

Dessa forma, embora por fundamento diverso, tenho que a capitalização mensal de juros deve ser extirpada uma vez não contratada.

Com tais fundamentos, acompanho o judicioso voto proferido pelo Eminente Relator, embora o faça com fundamento diverso quanto à capitalização mensal de juros.

Custas recursais nos termos do voto do I. Relator.

É como voto

DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "SÚMULA: DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO"