sexta-feira, 27 de julho de 2012

Indenização por atraso na entrega de imóvel



EMENTA: POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS E PENA CONVENCIONAL PREVISTA EM CLÁUSULA PENAL. CARÁTER MORATÓRIO DA CLÁUSULA PENAL. DA INDENIZAÇÃO POR ABANDONO DA FACULDADE. DANO MORAL. ATRASO NA ENTREGA DE IMÓVEL. OCORRÊNCIA. 26 MESES. 1. Deve-se distinguir a cláusula penal compensatória (art. 410 CC ), que tem por objetivo substituir a obrigação não cumprida, da cláusula penal moratória (art. 411 CC ), a qual se refere à hipótese em que a obrigação for cumprida, mas desrespeitando critérios pré-estipulados. No primeiro caso, verifica-se o inadimplemento da obrigação principal, substituindo-a, enquanto no último o das acessórias, sendo ambas exigíveis concomitantemente. 2. Segundo o STJ, não é possível a cumulação de cláusula penal compensatória e indenização por perdas e danos" , sendo que "a instituição de cláusula penal moratória não compensa o inadimplemento, pois se traduz em punição ao devedor que, a despeito de sua incidência, se vê obrigado ao pagamento de indenização relativa aos prejuízos dele decorrentes. 3. Com o atraso de 26 (vinte e seis) meses na entrega do imóvel, considero que caracterizado o dano moral pois o imóvel era destinado a sua habitação, local onde estabeleceria domicílio.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.11.171337-6/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): TENDA CONSTRUTORA S/A - APELADO(A)(S): WANDERSON SILVA DE JESUS

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em negar provimento à apelação.

Belo Horizonte, [DATA].

DES. ÁLVARES CABRAL DA SILVA

RELATOR.

DES. ÁLVARES CABRAL DA SILVA (RELATOR)

V O T O

Adoto o relatório do juízo a quo, à fl. 227/228, por representar fidedignamente os fatos ocorridos em primeira instância.

Trata-se de apelação interposta por TENDA CONSTRUTORA S.A.., às fls. 236/252, contra r. sentença de fls. 227/235 prolatada pelo MM. Juiz da 12ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, nos autos de "ação ordinária", julgada parcialmente procedente pelo i. juízo monocrático.

Em suas razões recursais, a parte apelante pretende a reforma do r. decisum a quo argüindo em síntese que:

a) o autor, ora apelado, "não faz jus ao pagamento dos aluguéis, uma vez que, com a aplicação da multa contratual, já está sendo ressarcido dos valores pagos", configurando enriquecimento sem causa, pois "a existência deste valor, a título de multa, é justamente para compensar o promissário comprador na hipótese de atraso na entrega de sua unidade, OU SEJA, entender que, além da multa contratual já estipulada, o Autor, ora Apelado, tem direito, também, a indenização pelos aluguéis e condomínios que pagou ou pelos supostos danos materiais sofridos, seria um verdadeiro bis in idem";

b) deve ser decotada da r. sentença o valor a título de indenização pelos gastos com a faculdade que o autor "se viu obrigado a abandonar" pois seria possível ao mesmo cursar uma faculdade gratuita, obter subsídios do Estado ou trancar a matrícula. Igualmente, alega que o autor incorreria em enriquecimento ilícito ao auferir a multa contratual e a indenização pelos danos materiais;

c) não é cabível indenização por dano moral oriundo do atraso na entrega da imóvel pois "deveria ter sido apontado efetivamente qual a dor e o sofrimento que passou o Apelado em face do atraso na entrega do imóvel, o que não ocorreu" e, por eventualidade, o valor de R$10.000,00 (dez mil reais) deve ser minorado.

Devidamente intimada, a parte apelada apresentou suas contrarrazões às fls. 255/260, aduzindo, em síntese, que a cláusula penal não substitui as perdas e danos, a teor do art. 25 CDC. Afirma que a multa contratual não é suficiente para cobrir as despesas com aluguel em virtude do atraso de 26 meses na entrega do imóvel.

Este é o breve relatório.

I - Possibilidade de cumulação de indenização por perdas e danos e pena convencional prevista em cláusula penal. Caráter moratório da cláusula penal.

Ad primu, deve-se distinguir a cláusula penal compensatória (art. 410 CC1), que tem por objetivo substituir a obrigação não cumprida, da cláusula penal moratória (art. 411 CC2), a qual se refere à hipótese em que a obrigação for cumprida, mas desrespeitando critérios pré-estipulados. No primeiro caso, verifica-se o inadimplemento da obrigação principal, substituindo-a, enquanto no último o das acessórias, sendo ambas exigíveis concomitantemente. Revela-se possível, portanto, a exigência concomitante tanto da cláusula penal moratória como da própria obrigação principal.

A teor de precedentes do Col. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, "não é possível a cumulação de cláusula penal compensatória e indenização por perdas e danos"3, sendo que "a instituição de cláusula penal moratória não compensa o inadimplemento, pois se traduz em punição ao devedor que, a despeito de sua incidência, se vê obrigado ao pagamento de indenização relativa aos prejuízos dele decorrentes"4.

In casu, dispõe a Cláusula 9ª, parágrafo 2º, das "Condições Gerais de Contratação" do "Contrato de Compromisso de Venda e Compra do Bem Imóvel" (fl.18) sobre a cláusula penal em caso de mora na entrega do imóvel. In verbis:

"Parágrafo 2º: Se a TENDA não concluir a obra no prazo fixado, observada a tolerância descrita no "caput" desta cláusula, pagará a TENDA ao COMPRADOR, a título de pena convencional, a quantia que equivaler a 0,5% (meio por cento) do preço da unidade à vista, por mês ou por fração de mês de atraso, sendo este valor exigível desde o 1º (primeiro) dia de atraso, contados a partir do transcurso do prazo de tolerância (180 dias) até a data da entrega da unidade pela TENDA ao COMPRADOR."

Sendo a cláusula penal pactuada de indiscutível caráter moratório, revela-se possível a sua cumulação com a indenização por perdas e danos inerente ao atraso, sendo abusiva qualquer disposição contratual que atenue a obrigação de indenizar do fornecedor, consoante disposição do art. 25 CDC5.

Outrossim, mesmo se se considerar não ser abusiva a cláusula que limitaria a indenização ao consumidor, nos termos do art. 416, parágrafo único, CC, o autor faria jus ao valor correspondente aos aluguéis de imóvel compatível com o comprado pois a teor do entendimento do Col. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, "descumprido o prazo para entrega do imóvel objeto do compromisso de compra e venda, é cabível a condenação por lucros cessantes. Nesse caso, há presunção de prejuízo do promitente-comprador, cabendo ao vendedor, para se eximir do dever de indenizar, fazer prova de que a mora contratual não lhe é imputável"6.

Cabível, portanto, a indenização seja por lucros cessantes seja por perdas e danos.

II - Da indenização por abandono da Faculdade.

Ao contrário do que quer fazer crer o réu, ora apelante, o autor trancou a faculdade na mesma época em que deveria receber seu apartamento, devido à impossibilidade de arcar com as mensalidades e as despesas com o ensino superior privado.

Como bem salientado pelo i. juízo singular, a proximidade das datas do trancamento e da previsão de entrega do apartamento demonstram a inviabilidade do autor se manter no ensino superior enquanto arcava com as despesas de aluguel.

III - Dano moral. Atraso na entrega de imóvel. Ocorrência. 26 meses.

Como é cediço, a responsabilidade civil revela-se no Direito como a obrigação daquele que causa dano a outrem em reparar o prejuízo apurado. O dano pode ser causado por mão própria ou por aqueles que do responsável dependam. Serve de fundamento, portanto, a obrigação de pagar, de fazer e, excepcionalmente, até mesmo de não fazer. A sua verificação, portanto, redunda no surgimento de credores e devedores, ligados por uma obrigação correspondente a uma prestação. O sujeito passivo do dano torna-se credor, e o ativo, por sua vez, devedor da sua reparação.

Não é qualquer atividade humana, entretanto, que, causando dano, redundará na obrigação de reparação. A responsabilidade civil advém do ilícito, ou seja, ato contrário ao direito decorrente da vontade humana manifestada de forma dolosa ou culposa, correspondendo a reparação não à intensidade da culpa ou dolo (como sói acontecer na responsabilidade penal), mas na exata proporção do dano causado.

Consagrada a Teoria da Culpa no direito pátrio, o Código Civil de 1916 a adota em seu já revogado artigo 159, sucedido pelas normas dos artigos 186 7 e 927 8 do Código Civil de 2002, a qual aderiu também aos reclames de imposição de responsabilidade pela Teoria do Risco. Assim, exige-se além da comprovação dos danos e do ato ilícito (doloso ou culposo), que haja nexo causal entre ambos, formando o tripé necessário à responsabilidade civil.

No caso do dano moral, o dano revela-se em sofrimento, dor, angústia ou abalo psíquico anormal. Por óbvio, não é qualquer atraso na entrega do imóvel que se revela capaz de ensejar tal dano, podendo se configurar mero aborrecimento.

Entretanto, na hipótese presente, com o atraso de 26 (vinte e seis) meses na entrega do imóvel, considero que caracterizado o dano moral pois o imóvel era destinado a sua habitação, local onde estabeleceria domicílio. O imóvel pelo qual o consumidor esperou por mais de dois anos seria destinado ao que chamamos casa, a qual a Constituição outorgou o status de asilo inviolável do indivíduo, local onde vive sua intimidade e estabelece forte vínculo afetivo.

Assim, considero que a angústia causada pela demora na entrega do imóvel enseja dano moral.

No que concerne à fixação em questão, a indenização a ser solvida não pode servir de fonte de enriquecimento sem causa. O dano pode ser aplacado através de um singelo pedido de desculpas ou através do reconhecimento de um erro, não sendo a forma pecuniária a única via para se alcançar o ressarcimento almejado. Nota-se que as coisas da alma que são ínsitas ao dano moral não são passíveis de avaliação econômica.

Deste modo, o magistrado deve agir de modo bastante consentâneo no momento de fixar a indenização, pois não pode provocar o enriquecimento sem causa da parte que busca a indenização, não pode deixar de incutir no valor condenatório um caráter pedagógico, visando desestimular o agente do ato ilícito de reiterar em tal prática, bem como deve busca alcançar valor que seja capaz de, se não de modo amplo, pelo ao menos em parte, fazer com que o ofendido sinta-se ressarcido.

É tal tarefa das mais penosas e complexas, contudo não há o magistrado como fugir desta. Assim, o melhor critério é que a indenização seja fixada com moderação e prudência, sempre atento aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

A meu sentir e ver o arbitramento do dano moral em R$10.000,00 (dez reais) é até adequado à compensação do autor e a punição da sólida sociedade empresária da construção civil, useira e vezeira em atrasos desta espécie.

IV - Conclusão.

EX-POSITIS, NEGO PROVIMENTO à apelação aviada.

Custas pelo apelante.

DES. GUTEMBERG DA MOTA E SILVA (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

DES. VEIGA DE OLIVEIRA - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "RECURSO NÃO PROVIDO."

1 Art. 410. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de total inadimplemento da obrigação, esta converter-se-á em alternativa a benefício do credor.

2 Art. 411. Quando se estipular a cláusula penal para o caso de mora, ou em segurança especial de outra cláusula determinada, terá o credor o arbítrio de exigir a satisfação da pena cominada, juntamente com o desempenho da obrigação principal.

3 AgRg no Ag 788.124/MS, Rel. Ministro PAULO FURTADO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/BA), TERCEIRA TURMA, julgado em 27/10/2009, DJe 11/11/2009.

4 REsp 968.091/DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 19/03/2009, DJe 30/03/2009.

5 Art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar prevista nesta e nas seções anteriores.

6 AgRg no REsp 1202506/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 24/02/2012.

7 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

8 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
 
Fonte: TJMG