segunda-feira, 16 de julho de 2012

Indenização por danos morais por atraso na entrega de imóvel

EMENTA: AÇÃO INDENIZATÓRIA. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. CONSTRUTORA. ENTREGA DO IMÓVEL. ATRASO INJUSTIFICADO. FORÇA MAIOR. NÃO OCORRÊNCIA. MULTA CONTRATUAL. INAPLICABILIDADE. DANO MORAL. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM. 1) Não configura força maior o problema decorrente da negligência da Construtora ao planejar a execução de suas obras. 2) A condenação pelos lucros cessantes devidos ao comprador inocente, em razão da inexecução do contrato, impede a cobrança de multa contratual, sob pena de se punir duplamente a construtora que deixou de entregar o imóvel no prazo contratado (art. 916 CC/16, 408 CC/02). 3) Não se deve aplicar a multa contratual para o caso de rescisão por culpa do comprador à construtora vendedora que deixou de cumprir o contrato, ainda mais se houve condenação em lucros cessantes ou perdas e danos. 4) Caracteriza dano moral indenizável a conduta da Construtora de procrastinar, sem motivo justificado, o início da obra, frustrando o sonho do comprador de ter a casa própria. 5) A quantificação do dano moral obedece ao critério do arbitramento judicial, que, norteado pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, fixará o valor, levando-se em conta o caráter compensatório para a vítima e o punitivo para o ofensor.

AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL - CULPA EXCLUSIVA DA CONSTRUTORA - MULTA POR DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL CUMULADA COM DANOS MATERIAIS - POSSIBILIDADE - NATUREZA DISTINTA - SENTENÇA MANTIDA. A incidência da multa contratual por descumprimento e a indenização por danos materiais, são cumuláveis, eis que possuem naturezas distintas.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.10.159238-4/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): CONSTRUTORA TENDA S/A - APELADO(A)(S): MARINA CRUZ BOTELHO

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 11ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO, EM PARTE, O REVISOR.

Belo Horizonte, 25 de janeiro de 2012.

DES. MARCOS LINCOLN

RELATOR.

DES. MARCOS LINCOLN (RELATOR)

V O T O

Trata-se de apelação interposta por CONSTRUTORA TENDA S/A da sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 7ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte, que, nos autos da "Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais" ajuizada por MARINA CRUZ BOTELHO, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, nos seguintes termos:

"Pelo exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial para:

a) Condenar a ré a restituir os valores pagos pela autora, devidamente atualizados e corrigidos monetariamente, acrescido de multa de 20% sobre o total.

b) Condenar a ré ao pagamento de indenização dos aluguéis pagos no montante de R$ 5.820,00, devidamente atualizados e corrigidos monetariamente.

c) Condenar a ré a indenizar a autora pela valorização do imóvel, da assinatura do contrato de compra e venda até a data da desapropriação, em montante a ser fixado em liquidação de sentença, via arbitramento.

d) Condeno a ré ao pagamento de indenização a título de danos morais no importe de R$ 10.000,00 (Dez mil reais), devidamente atualizados pelos índices da tabela da Corregedoria Geral do Estado e juros de mora de 1% ao mês a partir da sentença.

Por ter a autora decaído de parte mínima de seu pedido, condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios que fixo em 15% do valor da condenação, e o faço com o fulcro no disposto no art. 20, §3º do CPC."

Em suas razões, a apelante defendeu a ocorrência de caso fortuito e força maior em decorrência da desapropriação pela Prefeitura de Belo Horizonte do lote onde seria construído o edifício, não havendo que se falar em dever indenizatório, pagamento de multa e aluguel. Sustentou que o Decreto expropriatório foi publicado ainda no prazo de tolerância para a entrega do imóvel. Insurgiu-se contra o valor da indenização. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso, para reformar a sentença e julgar improcedentes os pedidos iniciais.

Intimada, a apelada apresentou suas contrarrazões.

Recurso próprio e tempestivo, estando regularmente preparado.

É o breve relatório, passo a decidir.

Colhe-se dos autos, que as partes, em 31/03/2008, celebraram "Contrato de Compromisso de Venda e Compra de Bem Imóvel", tendo como objeto o apartamento 501, do Bloco 01, do Residencial Napole Life, pelo valor de R$ 97.300,00, com data de entrega prevista para 30 de setembro de 2009 (fls. 12/26).

A cláusula 9ª do mencionado contrato estabeleceu tolerância de 180 dias, o que, em tese, prorrogaria para 30 de março de 2010 o prazo de entrega do imóvel (fl. 18v).

Entretanto, de acordo com as provas produzidas, em 30 de março de 2010 (data de vencimento da prorrogação do prazo de entrega do apartamento) foi publicado o Decreto Municipal nº 13.909, declarando como de utilidade pública vários imóveis, dentre os quais aquele onde seria edificado o Residencial Napole Life (fl. 78).

Necessário esclarecer que as obras do empreendimento imobiliário - Residencial Napole Life - não chegaram sequer a iniciar até 30/03/2010, o que constitui fato incontroverso, pois a ré/apelante não se insurgiu contra essa alegação.

Diante disso, não há dúvida de que a rescisão do contrato ocorreu por culpa exclusiva da ré/apelante, que sequer iniciou as obras visando à construção do apartamento que vendera à apelada.

Com efeito, constatada a culpa exclusiva da Construtora, ora apelante, deve ela arcar com todas as penalidades, pois ainda que o Decreto de Desapropriação não tivesse sido publicado, o imóvel (apartamento) não teria sido entregue no prazo estabelecido no contrato.

Quanto à alegação da ré/apelante de que, no caso vertente, não seria aplicável a multa prevista na cláusula 23ª, inciso III, mas, sim, a cláusula 9ª, porquanto aquela (cláusula 23ª) foi estipulada para a hipótese de a rescisão do contrato ocorrer por culpa do comprador e esta (cláusula 9ª) para quando a construtora deixar de cumprir com suas obrigações contratuais, merece maior atenção e análise.

Isso porque, a cláusula 9ª dispõe:

"CLÁUSULA 9ª - A unidade será entregue na data descrita no item 5 do Quadro Resumo, e poderá ser antecipada, observando o disposto nos parágrafos 6º e 7º desta cláusula. Ficará a entrega, entretanto, sujeita à tolerância de 180 (cento e oitenta) dias contados de sua expiração, e, além disso, na hipótese de ocorrência de caso fortuito ou de força maior, nos termos do Artigo 393 do Código Civil, fica pactuado que a TENDA não poderá ser responsabilizada por eventuais atrasos na entrega das unidades, cujo prazo ficará automaticamente prorrogado pelo mesmo número de dias em que permanecer o evento que lhes deu causa. As partes estão cientes e concordam que são consideradas hipóteses de caso fortuito ou força maior, por exemplo, a fiscalização ou ato praticado por órgãos municipais, estaduais ou federais e ambientais, que impeçam a continuidade da obra, ou causem sua interrupção, incluindo eventual demora ou atraso, ocasionado pelo Poder Público, nas diligências necessárias para concessão da baixa de construção e Habite-se do empreendimento onde se localiza a unidade adquirida pelo COMPRADOR."

Já a cláusula 23ª, inciso III, estabelece o seguinte:

"CLÁUSULA 23ª - O COMPRADOR receberá da TENDA, o montante equivalente aos valores pagos corrigidos monetariamente no mesmo modo que pagou, descontadas as seguintes despesas e multa, também atualizadas monetariamente:

(...)

iii) Multa compensatória de 20% (vinte por cento) sobre o valor até então pago pelo COMPRADOR (Artigo 410 Código Civil Brasileiro)."

Analisando detidamente os citados dispositivos contratuais, verifica-se que, realmente, não agiu com o costumeiro acerto o MM. Juiz a quo ao condenar a Construtora apelante ao pagamento da multa prevista na cláusula 23ª, inciso III.

Ora, a aludida multa somente seria aplicável na hipótese de rescisão do contrato por culpa do comprador, não sendo possível fazer uma interpretação analógica em desfavor da Construtora.

Mutatis mutandis, vejamos o entendimento adotado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça no seguinte julgado:

"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL. RESTITUIÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE PELA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DA CONTA BANCÁRIA DO CORRENTISTA. IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DAS MESMAS TAXAS PRATICADAS PELO BANCO. (...) 2. A Segunda Seção do STJ pacificou entendimento de que não devem ser aplicadas as mesmas taxas cobradas por estabelecimento bancário na restituição de valores indevidamente lançados a débito em conta de correntista..." (STJ. 4ª Turma. EDcl no REsp nº 1.030.295/MG. Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe: 25/08/2010 - ementa parcial).

Não bastasse isso, a manutenção da aludida multa implicaria em dupla condenação à Construtora apelante pelo mesmo fato gerador. Vejamos.

É cediço que a cláusula penal, além de servir como forma de coerção para que as partes cumpram com o pactuado, também tem a finalidade de fixar, antecipadamente, o valor de eventuais perdas e danos em caso de inadimplência (inteligência dos artigos 408 e seguintes do CC/02).

In casu, a sentença hostilizada julgou procedente o pedido de perdas e danos, condenando a Construtora ao pagamento dos aluguéis pagos pela autora/apelada, no montante de R$ 5.820,00.

Sendo assim, caso prevaleça as condenações por perdas e danos (conforme se verá adiante) e pagamento da multa, estar-se-ia punindo duplamente a Construtora em decorrência do mesmo fato (inadimplência), o que é vedado pelo ordenamento pátrio.

Dessa forma, deve ser reformada a sentença, neste ponto específico, para que seja excluída a condenação da Construtora ao pagamento da multa prevista na cláusula 23ª, inciso III.

Por outro lado, não há como prevalecer as excludentes de responsabilidade (casou fortuito e força maior) invocadas pela Construtora apelante, com base na cláusula 9ª do contrato.

Como se sabe, o caso fortuito e a força maior representam excludente de responsabilidade em virtude de seu caráter de inevitabilidade e de invencibilidade.

Elucida PONTES DE MIRANDA que:

"Há alguns autores que procuram estabelecer diferença entre o caso fortuito e a força maior. Os romanos faziam a distinção considerando o primeiro como fato do homem impossível de prever-se, e a força maior como fato da natureza, cuja causa é impossível de ser anulada. A tendência moderna, bem acentuada, aliás, é considerar o caso fortuito e a força maior como uma coisa só. É princípio assente no direito, que o caso fortuito isenta de qualquer responsabilidade os sujeitos passivos de obrigações, salvo quando tenham tomado sobre si, por meio de cláusula expressa, a responsabilidade de tais eventos" (Tratado de Direito Privado, 01/179).

Segundo DE PLÁCIDO E SILVA:

"Caso fortuito é expressão especialmente usada na linguagem jurídica para indicar todo caso, que acontece imprevisivelmente, atuado por força que não se pode evitar. São, assim, todos os acidentes que ocorrem sem que a vontade do homem os possa impedir ou sem que tenha ele participado, de qualquer maneira, para a sua efetivação (...). O caso de força maior é o fato que se prevê ou é previsível, mas que não se pode, igualmente, evitar, visto que é mais forte que a vontade ou ação do homem. Assim, ambos se caracterizam pela irresistibilidade. E se distinguem pela previsibilidade ou pela imprevisibilidade.

(...)

Legalmente, são, entre nós, empregados como equivalentes. E a lei civil os define como o evento do fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir, assemelhando-os em virtude da invencibilidade, inevitabilidade ou irresistibilidade que os caracteriza. Desse modo, caso fortuito ou força maior, análogos pelos efeitos jurídicos e assemelhados pela impossibilidade de serem evitados, previstos e não previstos, possuem sua característica na inevitabilidade, porque possíveis de se prever ou de não se prever, eles vieram, desde que nenhuma força os poderia impedir" (Vocabulário Jurídico, 11ª ed., I págs.401/402).

Na lição de SILVO DE SALVO VENOSA:

"(...) o caso fortuito seria aquela situação normalmente imprevisível, fato da natureza ou fato humano. A força maior seria caracterizada por algo também natural ou humano a que não se poderia resistir, ainda que possível prever sua ocorrência" (Direito Civil: Responsabilidade Civil, 7ª edição, Editora Atlas, 2007, pág.48).

De acordo com os citados ensinamentos, conclui-se que o caso fortuito e a força maior são considerados justificantes para a exclusão da responsabilidade.

Não obstante, no presente caso, ainda que se invoque a desapropriação da área onde seria construído o Residencial como causa de força maior, tal assertiva não se mostra capaz de desconstituir o direito da autora/apelada, pois o Decreto de desapropriação foi publicado exatamente no último dia do prazo para a entrega da obra, que, repita-se, não havia sequer iniciado.

Logo, como já afirmado anteriormente, ainda que o Decreto não existisse, a obra jamais seria concluída no prazo estipulado contratualmente pela própria Construtora, o que configura negligência na execução de seu mister.

Assim, diante da não caracterização das excludentes de caso fortuito e força maior, a cláusula 9ª invocada pela Construtora mostra-se inaplicável à espécie.

Exatamente pelos mesmos motivos, a autora/apelada tem o direito de ser ressarcida dos aluguéis que pagou em razão da inexecução da obra no prazo avençado, bem como ser indenizada no montante relativo à valorização imobiliária, tudo como foi determinado na decisão de primeira instância.

Com relação aos danos morais, sustenta a ré/apelante serem indevidos tendo em vista que o atraso na entrega do imóvel configura um simples inadimplemento contratual.

De fato, o descumprimento ou a abusividade permeada em cláusulas de contrato não tem o condão, por si só, de ensejar indenização por danos morais.

Entretanto, a meu ver, este caso possui caráter excepcional, onde se verifica a ocorrência de dano moral indenizável.

Ora, a conduta da ré/apelante no sentido de procrastinar, sem motivo justificado, o início da obra, causou prejuízo moral à autora/apelada, que teve frustrado o seu sonho de ter a casa própria.

Não se trata de um mero atraso tolerável na entrega do imóvel, mas, sim, de um ilícito contratual, ensejador de dano moral, pois 06 (seis) meses após o prazo de entrega do apartamento as obras sequer tinham iniciado.

Logo, não há dúvida de que os desgastes emocionais sofridos pela autora/apelada ultrapassaram aqueles dissabores decorrentes de um mero inadimplemento contratual, devendo a ré/apelante ser responsabilizada pelos danos causados.

Por conseguinte, restando induvidoso o dano moral, mister analisar o quantum indenizatório arbitrado.

A quantificação do dano moral permanece a cargo da doutrina e da jurisprudência, predominando no Direito Brasileiro o critério do arbitramento judicial (art. 944 do CC), tendo-se em conta que a reparação do dano moral tem duplo caráter: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor.

Nesse sentido, vejamos os ensinamentos de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:

"A - de um lado, a idéia de punição ao infrator, que não pode ofender em vão a esfera jurídica alheia...;

B - de outro lado proporcionar a vítima uma compensação pelo dano suportado, pondo-lhe o ofensor nas mãos uma soma que não é pretium dolores, porém uma ensancha de reparação da afronta..." (Instituições de Direito Civil, V, II, Ed. Forense, 16ª ed., 1.998, p. 242).

A fixação deve se dar com prudente arbítrio, para que não haja enriquecimento à custa do empobrecimento alheio, mas também para que o valor não seja irrisório.

As decisões de nossos Tribunais têm assentado o entendimento de que:

"A indenização por dano moral é arbitrável, mediante estimativa prudencial que leve em conta a necessidade de, com a quantia, satisfazer a dor da vítima e dissuadir, de igual e novo atentado, o autor da ofensa" (RT 706/67).

"A indenização haverá de ser suficientemente expressiva para compensar a vítima pelo sofrimento, tristeza ou vexame sofrido e penalizar o causador do dano, levando em conta ainda a intensidade da culpa e a capacidade econômica dos ofensores" (COAD, Bol. 31/94, p. 490, nº 66.291).

"Para a fixação do dano moral o julgador pode usar de certo arbítrio, devendo, porém, levar em conta as condições pessoais do ofendido e do ofensor" (RJTJRS, 127/411).

Destarte, atento ao princípio da prudência e às peculiaridades do caso sub judice, já apontadas, ausente o critério objetivo de fixação da verba indenizatória por danos morais e levando-se em conta outros processos que relatei, versando sobre a justa quantificação dos danos morais, hei por bem manter o valor arbitrado pelo MM. Juiz, qual seja, R$ 10.000,00 (dez mil reais), quantia que não configura uma premiação, nem mesmo uma importância insuficiente para concretizar a pretendida reparação civil.

Mediante essas considerações, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, apenas para excluir da decisão a condenação ao pagamento da multa prevista na Cláusula 23ª, inciso III, mantendo a sentença recorrida, quanto ao mais.

Diante do novo resultado da lide, condeno a ré/apelante ao pagamento de 90% das custas, inclusive recursais, e honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação (art. 20, §3º, do CPC), devendo a autora/apelada arcar com o restante das custas (10%), e honorários de R$ 700,00 (setecentos reais), a teor do art. 20, § 4º, do CPC, autorizando-se a compensação, nos termos da Súmula nº 306 do STJ, suspensa a exigibilidade quanto à parte que litiga sob o pálio da justiça gratuita.

DES. WANDERLEY PAIVA (REVISOR)

V O T O

Em que pese o judicioso voto proferido pelo i. Relator, ouso dele divergir apenas em relação a cumulação da multa por descumprimento contratual com a indenização por danos materiais.

Cuidam os autos de ação de indenização por danos morais e materiais em razão de atraso na entrega de imóvel ajuizada por Marina Cruz Botelho em face de Construtora Tenda S/A, em que entendeu por bem em o MM. Juiz julgar parcialmente procedente os pedidos iniciais.

Inconformada com a sentença proferida, a construtora requerida interpôs o presente recurso pretendendo a reforma da decisão para julgar a improcedência dos pedidos inicias sob o argumento da ocorrência de caso fortuito e força maior, insurgindo-se ainda quanto aos valores indenizatórios arbitrados.

O i. Relator, deu parcial provimento ao recurso para "excluir da decisão a condenação ao pagamento da multa prevista na Cláusula 23ª, inciso III, mantendo a sentença recorrida, quanto ao mais."

Pois bem.

Entendo que a incidência da multa contratual por descumprimento, bem como o ressarcimento das despesas havidas, à título de indenização por danos materiais, são cumuláveis, eis que possuem natureza distinta.

A indenização por danos materiais se revelou devida, em razão de estarem presentes os requisitos ensejadores ao dever de indenizar, qual seja, ato ilícito (mora na entrega do imóvel), dano (despesas com alugueis) e nexo de causalidade (o aluguel do imóvel foi devido em razão de o imóvel não ter sido entregado à autora pela ré)

Por outro lado, a incidência da multa, de caráter compensatório, encontra previsão no próprio contrato firmado, sendo decorrente do atraso na entrega do imóvel, senão vejamos:

'Cláusula 23ª - (III) Multa compensatória de 20% (vinte por cento) sobre o valor pago pelo COMPRADOR (art. 410 Código Civil Brasileiro).' (f. 22)

Dessa forma, inexistem óbices para incidência cumulada dos danos materiais fixados na sentença e da multa compensatória estipulada no contrato.

Neste sentido, a jurisprudência deste Egrégio Tribunal já se orientou:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. RESCISÃO. FALTA DE INTERESSE DO COMPRADOR. PRELIMINAR REJEITADA. CULPA DO VENDEDOR. DEVOLUÇÃO INTEGRAL DOS VALORES. RETENÇÃO INDEVIDA. 1. Já se encontra pacificado na Jurisprudência que mesmo o devedor inadimplente pode pleitear a rescisão do contrato. Assim, independente da apuração da culpa pela rescisão, matéria ligada ao mérito da causa, pode-se afirmar que o autor não carece de interesse processual. 2. A retenção de um percentual a título de perdas e danos somente é cabível nos casos em que o comprador dá causa à rescisão. Configurada a culpa da vendedora, as parcelas pagas pelo comprador devem ser devolvidas integralmente. (TJMG - Ap. Cível nº. 1.0024.08.274032-5/001 - 16ª CC - Rel. Wagner Wilson - J. 26/11/2010)

EMENTA: AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - DESCUMPRIMENTO PELA VENDEDORA DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS - ATRASO NA ENTREGA DA OBRA - DEVOLUÇÃO INTEGRAL DE PARCELAS PAGAS - MULTA PENAL E VALORES REFERENTES ÀS DESPESAS COM ALUGUEL DEVIDOS - PARCELAS DE IPTU - EXCLUSÃO.- A devolução integral dos valores pagos pelo promitente-comprador, que não deu causa à rescisão do contrato, não configura enriquecimento sem causa, nada devendo ser retido pela construtora a título de perdas e danos e/ou multa rescisória.- Restando comprovado que a única responsável pelo descumprimento do contrato de promessa de compra e venda, em razão do injustificado atraso na construção e entrega do imóvel objeto da avença, foi a própria empresa construtora, deve ser reconhecido o direito do adquirente à rescisão do pacto, assim como à restituição de todos os valores pagos para a aquisição do bem pretendido e ao recebimento da multa contratual pelo atraso na conclusão da obra.- São devidos, a título de perdas e danos, o valor do aluguel contratado, pois a devolução dão parcelas pagas poderá permitir a aquisição de outro imóvel, mas não repõe os aluguéis pagos no período em que a obra deveria ter sido entregue, servindo o aluguel para compensar as despesas com outra moradia no período que deveria estar residindo no bem adquirido. - Decota-se da condenação as parcelas relativas ao IPTU, pois tal imposto seria devido mesmo se o autor estivesse residindo no imóvel próprio. (TJMG - Ap. Cível nº. 1.0024.07.593456-2/001 - 9ª CC - Rel. Osmando Almeida - J. 22/02/2011)

Ressalta-se que em que pese a cláusula 9º do contrato, não se pode admitir que apenas uma das partes contratantes seja penalizada em razão da inadimplência, razão pela qual, não merece ser considerada.

Com tais considerações, ouso divergir do i. Relator, para considerar válida a Cláusula 23ª do contrato, permitindo a de cumulação da multa moratória e dos danos matérias, e, via de conseqüência, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

Custas recursais pela apelante.

DES.ª SELMA MARQUES - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO, EM PARTE, O REVISOR"

Fonte: TJMG