Nos termos do artigo 485, inciso V, do CPC, admite-se a
desconstituição de decisão que tenha violado literal disposição de lei.
Mas o termo "lei" deve ser interpretado em seu sentido amplo. Nele se
inclui a Constituição Federal, leis complementares, leis ordinárias,
leis delegadas, medidas provisórias e decretos legislativos. Já as
Súmulas vinculantes, apesar dos efeitos que possuem, não têm natureza
jurídica de lei. Com esse entendimento, a 2ª Seção Especializada de
Dissídios Individuais (2ª SDI) do TRT-MG refutou argumento apresentado
por um Município e julgou improcedente a ação rescisória ajuizada com
base no inciso V do artigo 485 do CPC.
No caso, o Município se
insurgia contra a condenação subsidiária pelas verbas trabalhistas
devidas ao reclamante, com base na Súmula 331, inciso IV, do TST.
Conforme alegou, a decisão violou a literalidade dos artigos 71, §1º, da
Lei n. 8.666/93, 5º, inciso II, 37, caput e parágrafo 6º, e 97, todos da Constituição da República. Além disso, contrariou a Súmula Vinculante nº 10 do STF.
Ainda
segundo o réu, o STF reconheceu a constitucionalidade do artigo 71 da
Lei 8.666/93 no julgamento da ADC nº 16 o STF, alegando que a decisão
possui efeito vinculante. Também sustentou que houve ofensa ao princípio
da legalidade, não havendo previsão legal para a condenação subsidiária
no caso. Apontou ainda que os meios para fiscalizar a empresa
contratada são apenas aqueles já previstos na lei de licitações.
Ademais, destacou que a Súmula 331 do TST é inaplicável, por se tratar
de caso de empreitada global. Ao fundamento de se tratar de dono da
obra, alegou haver afronta à OJ 191 da SDI do TST que afasta a
responsabilidade neste caso. Enfim, apresentou inúmeros argumentos. No
entanto, ao analisar o processo, a desembargadora Camilla Guimarães
Pereira Zeidler, rejeitou todos eles.
Conforme observou a
relatora, a decisão rescindenda reconheceu expressamente a culpa da
Administração Pública. Com base em provas, na jurisprudência pacificada
pelo TST e no ordenamento jurídico vigente. Os julgadores aplicaram ao
caso os artigos 186 e 927 do Código Civil, que preveem que aquele que
causar dano a outrem, por ato ilícito, fica obrigado a repará-lo. Tudo
conforme prevê também o artigo 5º, incisos V e X, da Constituição.
Prosseguindo,
a magistrada destacou que a interpretação legal do artigo 71 da Lei
8.666/93 encontrava-se à época pacificada na Súmula 331 do TST. Depois
esta Súmula foi alterada para se adequar à declaração da
constitucionalidade do artigo 71 da Lei nº 8.666/93 pelo STF. Mas a
responsabilização da Administração Pública sempre esteve prevista. Só
que depois da modificação da Súmula passou a ser exigida prova da
omissão culposa da Administração em relação à fiscalização de seus
contratados. E isto ocorreu no caso do processo. A culpa do Município
foi expressamente reconhecida no acórdão rescindendo. Portanto, na visão
da julgadora, a decisão sempre esteve em consonância com o entendimento
uniforme da Justiça do Trabalho. Seja antes, seja depois da alteração
da Súmula 331 do TST.
A magistrada lembrou que a ação rescisória
amparada em violação legal não se presta ao reexame de fatos e provas do
processo originário. É o que prevê a Súmula 410 do TST. Além disso, a
simples existência de controvérsia acerca da extensão do artigo 71 da
lei de licitações, por si só, já conduz à improcedência do pedido
formulado na ação rescisória por violação literal de lei. Isto porque a
interpretação pacifica da Justiça do Trabalho sobre o alcance desse
dispositivo legal é totalmente contrária ao defendido pelo Município.
No mais, a relatora rejeitou o pedido rescisório amparado em violação à Súmula Vinculante nº 10 do STF, que prevê que "Viola
a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão
fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a
inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta
sua incidência, no todo ou em parte". Para tanto, aplicou a OJ 25 da SBDI-2 do TST, que dispõe que "Não
procede pedido de rescisão fundado no art. 485, V, do CPC quando se
aponta contrariedade à norma de convenção coletiva de trabalho, acordo
coletivo de trabalho, portaria do Poder Executivo, regulamento de
empresa e súmula ou orientação jurisprudencial de tribunal". Segundo
explicou a magistrada, a lei a que se refere o artigo 485, inciso V, do
CPC deve ser interpretada em seu sentido amplo, não incluindo Súmula
Vinculante.
Por fim, a relatora se reportou à questão da
declaração incidental de constitucionalidade constante do acórdão
rescindendo. Ela reconheceu que, em princípio, poder-se-ia cogitar de
violação à cláusula de reserva de plenário, pois a questão não fora
submetida ao Tribunal Pleno para deliberação, providência necessária nos
termos do artigo 97, da Constituição e do artigo 481 do CPC. Mas
lembrou que, via de regra, o tema processual não pode ser objeto de ação
rescisória, salvo se constituir pressuposto de validade da sentença de
mérito, como prevê a Súmula 412 do TST.
No caso do processo, a
declaração de inconstitucionalidade do referido artigo 71 serviu apenas
como fundamento complementar da decisão rescindenda. Ou seja, conforme
ponderou a julgadora, ainda que fosse retirada do acórdão, o resultado
seria o mesmo: o reconhecimento da responsabilidade do Município. É que
os julgadores identificaram a culpa in eligendo e in vigilando
capaz de amparar a condenação. Assim, embora a declaração de
inconstitucionalidade conste do acórdão, revelou-se prescindível ao
julgamento.
Portanto, a conclusão da relatora, após analisar o
processo, foi a de que não houve afronta à literal disposição de lei. No
julgamento do caso ocorreu empate em questão incidental referente à
possibilidade de ajuizamento de ação rescisória com base em ofensa à
súmula vinculante do STF. Por esse motivo, o desembargador Heriberto de
Castro foi convocado para proferir o voto de desempate (artigo 112,
caput e parágrafo 1º do Regimento interno do TRT-MG). A decisão foi
citada no acórdão, revelando o entendimento do magistrado no sentido de
que o enunciado da súmula, ainda que vinculante, não pode ser equiparado
a "lei em sentido amplo", não podendo ser utilizado, única e
exclusivamente, como causa de pedir da rescisória amparada no inciso "V"
do artigo 485 do CPC. Ao final, a Turma de julgadores, por maioria de
votos, julgou improcedente o pedido formulado na ação rescisória.
Fonte: TRT/MG