EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - INDENIZAÇÃO POR DANOS
MORAIS - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - ATRASO
SIGNIFICATIVO NO INÍCIO DAS OBRAS E NA ENTREGA DO BEM - RESPONSABILIDADE
DA CONSTRUTORA RECONHECIDA - DANO MORAL CONFIGURADO - INDENIZAÇÃO -
FIXAÇÃO EM QUANTIA RAZOÁVEL. O atraso injustificado e descomedido da
construtora ré em dar início às obras de construção da unidade
imobiliária adquirida pela parte autora, frustrando o cumprimento do
contrato de promessa de compra e venda firmado entre as partes e,
sobretudo, o sonho desta última de adquirir a sua própria residência,
bem como causando-lhe imensuráveis transtornos que ultrapassaram, em
muito, o mero dissabor, deixa patente a responsabilidade da empresa ré e
a configuração de um verdadeiro dano moral suportado pelo
requerente/contratante. A indenização deve ser fixada segundo critérios
de razoabilidade e proporcionalidade, com observância das peculiaridades
do caso e buscando sempre atingir os objetivos do instituto do dano
moral, quais sejam, compensar a parte lesada pelos prejuízos
vivenciados, punir o agente e inibi-lo na adoção de novas condutas
ilícitas, sem jamais implicar no enriquecimento indevido do indenizado.
APELAÇÃO
CÍVEL Nº 1.0024.09.572250-0/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE -
APELANTE(S): RONAN FERREIRA DA CONCEIÇÃO - APELADO(A)(S): CONSTRUTORA
TENDA LTDA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc.,
acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de
Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em
DAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. ARNALDO MACIEL
RELATOR.
DES. ARNALDO MACIEL (RELATOR)
V O T O
Trata-se de recurso de apelação interposto por RONAN
FERREIRA DA CONCEIÇÃO contra a sentença de fls. 332/334, proferida pelo
MM. Juiz Richard Fernando da Silva, que julgou improcedente a Ação de
Indenização por Danos Morais ajuizada em face da CONSTRUTORA TENDA LTDA,
com fundamento na não configuração dos danos morais alegados pelo
apelante, condenando-o no pagamento das custas e dos honorários, estes
fixados em R$1.500,00.
Nas razões recursais de
fls. 337/345, sustenta o apelante que a entrega do imóvel estava
prevista para julho/2004 e que até os dias atuais a apelada sequer teria
dado início às respectivas obras, que em 2006 teria tentado rescindir a
avença, mas o que apenas conseguiu após ajuizar uma outra ação, face
aos empecilhos colocados pela apelada, que a conduta ilícita desta
última teria lhe causado enormes transtornos, como a necessidade de
residir na casa de familiares, aborrecimentos e a frustração do sonho de
ter uma casa própria, gerando um verdadeiro dano moral passível de
reparação e pleiteando a fixação de uma indenização a tal título no
valor de, no mínimo, R$80.0000,00.
Intimada, ofertou a apelada as contrarrazões de fls. 351/367, pugnando pelo não provimento do recurso aviado.
Estando o apelante dispensado do preparo, por litigar
amparado pela assistência judiciária, foi o recurso recebido às fls.
347.
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso e passo à sua análise.
Do mérito
Em que pese meu profundo respeito pelo entendimento
firmado pelo digno Juiz a quo e a despeito de ter a apelada insistido em
alegar que não praticou qualquer ilícito e que o apelante não teria
vivenciado nenhum dano moral passível de reparação, fato é que todas as
provas e evidências que vieram ao feito acabaram por demonstrar
exatamente o contrário.
Primeiramente,
imprescindível notar que a apelada não conseguiu trazer ao processo
absolutamente nenhuma prova concreta que fosse capaz de justificar a sua
conduta, de não ter, diga-se de passagem, até hoje, sequer dado início
às obras objeto da contratação firmada entre as partes, cuja entrega
estava prevista para o mês de julho do longínquo ano de 2004, apesar de
não ter o ora apelante, e ao que tudo indica também os demais
contratantes, descumprido com a obrigação de efetuar os pagamentos que
devidos.
É fato que o contrato de promessa de
compra e venda previa a possibilidade de atraso na entrega do imóvel de
até 120 dias úteis, cerca de seis meses, do que se conclui que o
aceitável, segundo os termos da contratação, seria a entrega do bem até
janeiro de 2005, contudo a espera frustrante do apelante prolongou-se
até setembro/2006, ou seja, mais de um ano e meio depois da data limite
para o atraso (e não para a entrega), quando, depois de também
frustradas as tentativas empreendidas junto à apelada para obter a justa
rescisão da avença, decidiu por ajuizar a competente ação para alcançar
tal objetivo, pleito que foi, válido destacar, julgado inteiramente
procedente, dados todos esses que deixam mais do que evidente a desídia
e, mais, o ilícito praticado pela apelada.
Não é
demais destacar que, como acima já mencionado, a apelada até hoje não se
dignou sequer a dar início às obras, como noticiado nos autos e em
momento algum rechaçado, de modo que, considerando a data prevista para a
entrega (julho/2004), o seu atraso já se prolonga por absurdos oito
anos e meio, fato que deixa ainda mais latente a sua desídia.
Os dados acima são suficientes para comprovar não apenas a
responsabilidade, o ilícito praticado pela apelada, como também a
configuração dos danos morais suportados pelo apelante, na medida em que
a situação posta em análise, ao contrário do que constou do julgado a
quo, não se limitou a um simples descumprimento contratual, este sim sem
capacidade para dar ensejo aos danos discutidos, mas, na verdade,
provocou a frustração de um sonho do apelante, criou-lhe falsas
expectativas, gerou-lhe aborrecimentos desmesurados e deixou-o
absolutamente decepcionado em relação a um planejamento que não se faz
do dia para a noite, pois como é de conhecimento geral, a aquisição de
um imóvel não se trata de uma decisão ou de um negócio simples, e sendo
certo que tal situação prolongou-se por tempo mais do que razoável ou
aceitável.
A respeito do tema, outro não vem sendo
o posicionamento consolidado por este Tribunal, como se depreende dos
exemplos abaixo transcritos:
EMENTA: Ação de obrigação de fazer
cumulada com indenização - atraso na entrega do imóvel - cláusula de
carência e cláusula penal - razoabilidade - indenização suplementar -
impossibilidade - ausência de pactuação - parágrafo único do art. 416 do
CC - danos morais - ocorrência - fixação - razoabilidade e
proporcionalidade - apelação à que se dá parcial provimento. É válida a
cláusula de tolerância em contrato de compra e venda de imóvel em
construção, desde que expressamente pactuada, e fixada com prazo
razoável para o atraso na entrega. A cláusula penal implica arbitramento
prévio das perdas e danos em caso de inadimplemento. O contratante faz
jus apenas ao valor contratado, caso não tenha sido estipulada
indenização suplementar. Incidência do parágrafo único do art. 416 do
Código Civil de 2002. O descaso da construtora, representado pela não
entrega do imóvel no prazo contratado, implica desrespeito ao
consumidor, além de meros aborrecimentos, a ensejar danos morais
indenizáveis. Na fixação do quanto indenizatório o juiz deve se pautar
pelos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade. (APELAÇÃO CÍVEL
Nº 1.0145.11.052582-4/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA - APELANTE(S):
JONATHAN MORATORI - APELADO(A)(S): API SPE 26 PLANEJAMENTO
DESENVOLVIMENTO EMPREEND IMOBILIARIOS LTDA - RELATOR: DES. MARCELO
RODRIGUES)
EMENTA: "AÇÃO INDENIZATÓRIA. PROMESSA DE COMPRA E
VENDA. CONSTRUTORA. ENTREGA DO IMÓVEL. ATRASO INJUSTIFICADO. FORÇA
MAIOR. NÃO OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO DANOS MATERIAIS. TERMO INICIAL. DANO
MORAL. CONFIGURAÇÃO. QUANTUM. 1) Não configura força maior o problema
decorrente da negligência da Construtora ao planejar a execução de suas
obras. 2) A condenação da construtora ao pagamento da multa contratual
ao comprador inocente, em razão da inexecução do contrato, impede a
cobrança de reparação pelos alugueis pagos, sob pena de se punir
duplamente a construtora que deixou de entregar o imóvel no prazo
contratado (art. 916 CC/16 e 408 CC/02). 3) Caracteriza dano moral
indenizável a conduta da Construtora de procrastinar, sem motivo
justificado, a entrega da obra, frustrando o sonho do comprador de ter a
casa própria. 4) A quantificação do dano moral obedece ao critério do
arbitramento judicial, que, norteado pelos princípios da
proporcionalidade e da razoabilidade, fixará o valor, levando-se em
conta o caráter compensatório para a vítima e o punitivo para o
ofensor." (APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.11.021178-6/001 - COMARCA DE BELO
HORIZONTE - APELANTE(S): PABLO CESAR GOMES PEREIRA - 1º APELANTE:
CLEIDINEIA FERREIRA PACHECO E OUTRO(A)(S) - 2º APELANTE: CONSTRUTORA
TENDA LTDA - APELADO(A)(S): PABLO CESAR GOMES PEREIRA, CLEIDINEIA
FERREIRA PACHECO E OUTRO(A)(S), CONSTRUTORA TENDA LTDA - RELATOR: DES.
MARCOS LINCOLN)
EMENTA: AGRAVO RETIDO - INDEFERIMENTO PROVA ORAL -
NÃO ESSENCIAL - NEGAR PROVIMENTO - APELAÇÃO CÍVEL - COMPRA DE IMÓVEL -
PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE ENTREGA PREVISTO NO CONTRATO - RAZOÁVEL -
LEGALIDADE - ENTREGA DO BEM APÓS O PRAZO DE PRORROGAÇÃO - INADIMPLEMENTO
CONTRATUAL - CONFUGURADO - MULTA - CABÍVEL - DANO MORAL - POSSIBILDIADE
- ALTERAÇÃO PREJUDICIAL DA DISPOSIÇÃO DAS VAGAS DE GARAGEM APÓS A
REALIZAÇÃO DO NEGÓCIO - DANOS MORAIS - CONFIGURADOS. O julgamento sem a
produção de prova oral não implica cerceamento de defesa quando esta não
é necessária à resolução da lide. Conforme art. 130 do CPC, ao julgador
incumbe indeferir, mesmo de ofício, a prova que não seja útil,
porquanto destinatário real da prova. É legal a cláusula contratual que
prevê a prorrogação do prazo razoável para entrega do imóvel,
considerando o princípio pacta sunt servanda. O atraso na entrega do
imóvel, após o prazo de prorrogação, por culpa dos promitentes
vendedores, caracteriza inadimplemento contratual, podendo incidir
multa. Há dano moral se a construtora, de modo injustificado, atrasa,
por longo período, a entrega de imóvel, impedindo o comprador de dele
tomar posse na data aprazada. A modificação prejudicial da disposição
das vagas de garagem do imóvel após a realização do negócio gera dano
moral. (APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.10.279905-3/004 - COMARCA DE BELO
HORIZONTE - 1º APELANTE: HABITARE CONSTRUTORA INCORPORADORA LTDA - 2º
APELANTE: MARCELO MELGAÇO DE MORAIS - APELADO(A)(S): MARCELO MELGAÇO DE
MORAIS, HABITARE CONSTRUTORA INCORPORADORA LTDA - RELATOR: DES. EVANDRO
LOPES DA COSTA TEIXEIRA)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AUSÊNCIA DE
ENTREGA DO IMÓVEL NO PRAZO PROMETIDO - ALUGUÉIS DEVIDOS - DANO MORAL
RECONHECIDO - PROVIMENTO PARCIAL. Deixando a construtora de efetuar a
entrega do imóvel prometido à venda, deve responder pelos aluguéis pelo
tempo de descumprimento da obrigação. Evidenciado o abalo psicológico
frente à frustração decorrente da ausência de entrega do imóvel
comprovado, impõe-se o reconhecimento do dano moral indenizável.
(APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0145.11.042834-2/001 - COMARCA DE JUIZ DE FORA -
APELANTE(S): NEMÊNCIO LUDTKE NUNES - APELADO(A)(S): API SPE 26
PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁR, ASACORP
EMPREENDIMENTOS E PARTICIPAÇÕES S/A - RELATOR: DES. LUIZ CARLOS GOMES DA
MATA)
De tal sorte, restaram incontestes a
responsabilidade da apelada, os danos morais suportados pelo apelante,
danos estes que superaram e em muito a categoria de mero aborrecimento,
bem como o nexo de causalidade entre um e outro, do que se verifica pela
presença de todos os requisitos necessários para a configuração do
dever reparatório da primeira.
No que alude ao
valor indenizatório, necessário inicialmente registrar que a sua
quantificação, por não possuir critérios fixos e determinados, dever ser
feita com o prudente arbítrio do Julgador, com a observância dos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, e sempre tendo em
vista os objetivos do instituto do dano moral, quais sejam, reparar os
danos causados à parte lesada, punir o agente pela conduta já adotada e
inibi-lo na adoção de novas condutas levianas e ilícitas, devendo ainda
ser levando em conta o grau de culpa, o nível socioeconômico da parte
lesada e o porte econômico do agente.
Na hipótese
específica dos autos, não obstante a enorme frustração sofrida pelo
apelante, necessário salientar que a natureza do ilícito praticado, o
grau de culpa da apelada e a condição socioeconômica de ambas as partes,
impedem a fixação de uma indenização significativamente elevada,
sobretudo no exagerado montante equivalente a 100 (cem) salários
mínimos, como pretende o apelante, que mais se aproxima dos valores
indenizatórios normalmente arbitrados nas hipóteses de morte, supera, em
muito, os comumente adotados pelos tribunais pátrios em casos análogos
e, ainda, implicaria no enriquecimento sem causa daquele.
Sopesando-se todas as considerações acima feitas e os elementos
informativos constantes dos autos, acredita este Relator que o mais
justo e equânime seja a fixação de uma indenização por danos morais em
favor do apelante no importe de R$6.780,00 (seis mil setecentos e
oitenta reais), por ser a quantia que mais atende os objetivos do
instituto do dano moral, que mais se amolda aos princípios da
razoabilidade e da proporcionalidade, bem como às peculiaridades do caso
em análise e aos valores normalmente adotados por este Tribunal, mas
sem premiar o enriquecimento ilícito, a qual deverá ser devidamente
corrigida pelos índices da CGJ/MG e acrescida de juros de mora de 1% ao
mês, ambos a partir da publicação deste acórdão, ou seja, do efetivo
arbitramento.
Ante todo o exposto, DOU PROVIMENTO
ao recurso e reformo a sentença de 1º Grau, para julgar parcialmente
procedente o pedido inicial e condenar a apelada a pagar ao apelante a
quantia de R$6.780,00 (seis mil setecentos e oitenta reais) a título de
danos morais, acrescida de correção monetária pelos índices da CGJ/MG e
de juros de mora de 1% ao mês, ambos a partir da publicação deste
acórdão.
Como a fixação da indenização por dano
moral em quantia inferior à pretendida não importa em sucumbência, a
teor da Súmula 326 do STJ, condeno a apelada no pagamento das custas e
despesas processuais de ambas as Instâncias, bem como dos honorários
advocatícios, estes no mesmo patamar estabelecido no julgado primevo.
DES. JOÃO CANCIO (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO."
Fonte: TJMG