quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Danos morais por atraso na entrega de imóvel

EMENTA: APELAÇÃO - RESCISÃO DE CONTRATO - COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - CDC - PRAZO DE ENTREGA - INOBSERVÂNCIA - BOA FÉ - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE

- Numa relação de compra e venda de imóvel, onde houve a assinatura de diversos contratos pelas partes, todos descumpridos por negligência da Promitente Vendedora, ocorre lesão aos bens tutelados pelo art. 5º, X, da Constituição Federal, impondo-se a manutenção da indenização por danos morais.

- "É preciso inquietarmo-nos com os sentimentos que fazem agir os assuntos de direito, proteger os que estão de boa-fé, castigar os que agem por malícia, má-fé, perseguir a fraude e mesmo o pensamento fraudulento. O dever de não fazer mal injustamente aos outros é o fundamento do princípio da responsabilidade civil; o dever de se não enriquecer à custa dos outros, a fonte da ação do enriquecimento sem causa" (Georges Ripert, in "A Regra Moral nas Obrigações Civis").

VV- AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS E MATERIAIS - ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL - ALUGUÉIS - RESSARCIMENTO DEVIDO - DANO MORAL INEXISTENTE - MERO ABORRECIMENTO - JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. - O descumprimento do contrato de promessa de compra e venda, em razão do injustificado atraso na entrega do imóvel, enseja o direito do contratante adquirente ao ressarcimento dos aluguéis suportados até a efetiva entrega do bem. - O ressarcimento dos aluguéis e o pagamento da multa pactuada para o caso de atraso não implicam bis in idem, uma vez que a mencionada multa tem natureza compensatória, ou seja, visa compensar o tempo em que os adquirentes não puderam usufruir do imóvel como era de seu direito, ao passo que pagamento dos aluguéis diz respeito às despesas que os compradores tiveram diante da mora da construtora. - Os simples aborrecimentos não se erigem em causa de dano moral, não se podendo admitir que qualquer transtorno, como o inadimplemento contratual, seja confundido com violação à honra, conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o bom nome, a reputação e o respeito no meio comunitário e social. - Em indenização por danos materiais, a correção monetária é devida desde a data em que houve o desembolso, porquanto visa a manter o poder aquisitivo da moeda, e consiste na sua simples recomposição, nada acrescentando, mas apenas preservando o seu valor, incidindo juros de mora desde a data da citação, quando a ré foi constituída em mora, nos termos do art. 219, CPC.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0245.10.023769-3/001 - COMARCA DE SANTA LUZIA - APELANTE(S): CONSTRUTORA TENDA S/A - APELADO (A) (S): ALEXIS MARQUES SALVADOR

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 14ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO, VENCIDO O RELATOR.

DESEMBARGADOR ANTÔNIO DE PÁDUA

RELATOR.

O EXMº SR. DES. ANTÔNIO DE PÁDUA (RELATOR)

V O T O

Trata-se de recurso de apelação interposto por Construtora Tenda S/A, nos autos da ação de indenização proposta por Alexis Marques Salvador contra a recorrente, em curso perante a 3ª Vara Cível da Comarca de Santa Luzia, inconformada com os termos da r. sentença de fls. 154-158, que julgou parcialmente procedentes os pedidos, condenando a requerida ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$8.000,00 (oito mil reais), acrescida de juros de mora de 1,0% ao mês, a contar da citação, e correção monetária, a partir do ajuizamento da ação, e por danos materiais, no valor de R$6.700,00 (seis mil e setecentos reais), referentes aos aluguéis pagos no período de agosto/2009 a dezembro/2010, acrescida de juros de 1,0% ao mês, e correção monetária, ambos a partir do vencimento de cada parcela. Condenou ambas as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 20%, do valor da condenação, à proporção de 90%, para a requerida e 10%, para o autor, permitida a compensação da verba honorária.

Em suas razões recursais de fls. 169-186, a apelante alega que o autor não faz jus ao pagamento dos aluguéis, haja vista o acordo celebrado, com o pagamento da multa prevista no contrato, no valor de R$5.372,77 (cinco mil, trezentos e setenta e dois reais e setenta e sete centavos), depositados em 15/02/2011 (f.96); que o apelado não comprovou os alegados danos morais, em razão do atraso na entrega do imóvel, devendo ser rejeitado o pedido de indenização.

Alternativamente, caso mantida a condenação, requer a redução do valor arbitrados a título de danos morais, e a aplicação dos juros e correção monetária, a partir da decisão.

Contrarrazões em óbvia infirmação fls. 191-199.

Conheço do recurso, presentes suas condições de admissibilidade.

Tratam os autos de ação ordinária proposta pelo apelado contra a construtora apelante, alegando que celebrou contrato de compra e venda com esta, para aquisição de um apartamento no. 201, do Residencial Santa Luzia Life II, bairro São Benedito, na cidade de Santa Luzia, no valor de R$49.900,00, sendo a forma de pagamento um sinal de R$5.000,00; 02 cheques de R$400,00, 01 intermediária de R$600,00, e, na entrega das chaves, mais R$57.600,00, financiados pelo SFH.

Afirmam os apelantes, ainda, que o imóvel deveria ter sido entregue em 28/02/2009, sendo tal prazo prorrogável por 180 dias (agosto de 2009), mas somente o foi em dezembro de 2010, mais de um ano depois. Alega que, ciente da entrega do imóvel em fevereiro de 2009, marcou seu casamento para março do mesmo ano, tendo sido obrigado a alugar outro imóvel para residir com sua esposa, o que lhe causou danos morais, além de danos morais.

Irresignado com o fato, o apelado interpôs a presente ação que, após os trâmites regulares do processo, sobreveio sentença julgando parcialmente procedente o pedido inicial.

Esse, em resumo, o relato dos autos.

Restou incontroversa nos autos a realização de compra e venda de um apartamento entre as partes, sendo também incontroverso o adimplemento por parte do autor/apelado.

Também comprovado nos autos que o imóvel foi entregue com mais de um ano de atraso.

O d. Juiz sentenciante condenou a apelante ao pagamento dos danos morais, consubstanciado nos aluguéis vencidos no período de agosto de 2009 a dezembro de 2010.

Neste ponto, comprovou-se nos autos a existência de locação no período compreendido entre março de 2009 a dezembro de 2010 (fls.16/23), de forma que a indenização pelo referido dano material é devida, devida, sendo descontado, contudo, o período de tolerância, definido no contrato (março a agosto de 2009).

Com efeito, o Superior Tribunal de Justiça há muito vem reconhecendo a responsabilidade da construtora em restituir os valores pagos a título de aluguel pelo consumidor em decorrência do atraso na entrega do imóvel. Vejamos:

PROMESSA DE COMPRA E VENDA. DESCUMPRIMENTO. INDENIZAÇÃO. ALUGUEL. - Os aluguéis devidos pela não utilização do imóvel prometido à venda devem ser contados até o dia em que as chaves foram depositadas em juízo. - Recurso conhecido em parte e provido. (STJ. REsp 331496 / MG Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR J. 14/05/2002)

E a jurisprudência deste Tribunal de Justiça não discrepa:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL. RESSARCIMENTO DE ALUGUEL. CABIMENTO. - Restando comprovado o descumprimento do contrato de promessa de compra e venda, em razão do injustificado atraso na entrega do imóvel objeto da avença, deve ser reconhecido o direito do contratante adquirente ao ressarcimento dos aluguéis por ele suportados, até a efetiva entrega do bem. (TJMG. 0979863-22.2010.8.13.0024 Des.(a) PEDRO BERNARDES J. 06/09/2011)

Outrossim, forçoso esclarecer que esse ressarcimento não implica em bis in idem, uma vez que a multa convencionada tem natureza compensatória, ou seja, visa a compensar o tempo em que os apelantes não puderam usufruir do imóvel como era de seu direito, ao passo que pagamento dos aluguéis diz respeito às despesas que recorrentes tiveram diante da mora da construtora.

Nesse sentido:

EMENTAR - APELAÇÃO - RESCISÃO CONTRATUAL - COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - CONSTRUTORA - ATRASO NA ENTREGA - RESTITUIÇÃO DE VALORES - DANOS MATERIAIS - RESSARCIMENTO DE ALUGUEL AO CONTRATANTE. - Em contrato de compra e venda de imóvel, diante do descumprimento da parte contratada que atrasa na entrega do apartamento, assiste ao contratante o direito de ter rescindido o contrato e ressarcidos os valores pagos com a incidência das competentes atualizações, bem como da multa contratualmente prevista. O inadimplemento injustificado da construtora contratada enseja a obrigação de ressarcir o contratante em relação aos valores por ele assumidos a título de aluguel do imóvel no qual permaneceu morando uma vez que aquele adquirido não lhe foi entregue. (TJMG, Ap. Cível n° 1.0024.06.057591-7/001, Relator Des. Fernando Caldeira Brant, j. 07/05/2008)

Nesse diapasão, como já determinado pelo Juiz de primeira instância, deve a recorrente ressarcir o apelado pelos aluguéis suportados no período compreendido entre o término do prazo de tolerância previsto para a entrega do imóvel (agosto/2009), até a efetiva entrega do bem, ocorrida em dezembro de 2010, como reconhecido pela própria apelante.

No que concerne aos danos morais, tenho que assiste razão ao apelante, porque, ao se analisar a matéria, verifica-se que não restou demonstrada nenhuma situação vexatória, constrangimento ou abalo emocional suportado pelo apelado.

É bem verdade que o descumprimento do prazo de entrega do imóvel constitui um aborrecimento, no cotidiano de cada um, gerando até mesmo uma compreensível revolta. Todavia, tal transtorno não pode ser confundido com violação à honra, conjunto de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o bom nome, a reputação e o respeito no meio comunitário e social.

Assim, a inadimplência contratual, traduzida no atraso na entrega do imóvel, não representa violação ao patrimônio imaterial da pessoa, capaz de gerar o dever ressarcitório.

A propósito, a valiosa lição de Maria Helena Diniz (A Responsabilidade Civil por Dano Moral, Revista Literária de Direito, Ano II, Número 9, jan/fev de 1996, p. 8": "O Direito não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridicamente, embora, tornada sem efeito, com a constatação do erro de procedimento (...).

Ante isso, podemos dizer que o dano moral direto consiste na lesão a um interesse que visa à satisfação de um bem extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (como a vida, a intimidade corporal, a liberdade, a honra, a intimidade, o decoro, a imagem) ou nos atributos da pessoa (como o nome, a capacidade, o estado de família)".

Nesse sentido é a jurisprudência:

EMENTA: AÇÃO ORDINÁRIA - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - ATRASO NA ENTREGA - CULPA DA VENDEDORA - RESCISÃO CONTRATUAL - RESTITUIÇÃO INTEGRAL DAS PARCELAS PAGAS - DANO MORAL - INEXISTÊNCIA - JUROS DE MORA DEVIDOS A PARTIR DA CITAÇÃO. (...) - O ordenamento jurídico brasileiro apenas garante a compensação do verdadeiro dano moral, não de simples dissabor ou decepção, não havendo proteção jurídica para as suscetibilidades pessoais. O simples inadimplemento contratual, desacompanhado de prova de efetiva lesão a qualquer projeção da personalidade da autora, não configura dano moral. ("...)". (Apelação cível n° 1.0024.05.897355-3/001 - Relator: Des. Eduardo Mariné da Cunha, 17ª Câmara Cível do TJMG, DJ: 25 de janeiro de 2007).

Esta também a orientação do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

"O mero dissabor não pode ser alcançado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agressão que exacerba a naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflições ou angústias no espírito de quem ela se dirige." (STJ, REsp nº403. 919/MG, 4ª T. Rel. Min. César Asfor Rocha, j. 15.05.2003, DJU 04.08.2003).

Desta forma, não restando comprovado o dano moral sofrido pelo apelado, não há se falar no dever de indenizar, motivo pelo qual não pode prevalecer a r. sentença, neste aspecto.

Pertinente aos juros de mora e correção monetária incidentes sobre o valor da condenação por danos materiais, assiste razão, em parte, à recorrente.

Ressalte-se que a correção monetária é devida desde a data em que houve o desembolso pelo apelado, porquanto visa a manter o poder aquisitivo da moeda, e consiste na sua simples recomposição, nada acrescentando, mas apenas preservando o seu valor.

Assim, conclui-se que a aplicação da correção monetária não representa um ganho, não havendo modificação a ser feita na sentença a este respeito, porquanto, é certo que a data do pagamento dos aluguéis é a efetiva data do desembolso.

Os juros e mora, por outro lado, são devidos desde a data da citação, quando a apelante foi constituída em mora, nos termos do art. 219, CPC.

Ademais, o art. 405 do CC prevê literalmente que os juros de mora devem incidir desde a citação inicial.

À vista do exposto, dou parcial provimento ao recurso para decotar da condenação a indenização por danos morais, e determinar a aplicação dos juros de mora de 1%, ao mês, somente a partir da citação.

Em razão da sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, no valor já fixado, à proporção de 50%, para cada uma, permitida a compensação, e observado, quanto ao autor, o disposto no art. 12, da lei 1060/50.

Custas recursais pelo apelado, suspensa, contudo, a exigibilidade, em razão da gratuidade judiciária concedida.



DES. ROGÉRIO MEDEIROS (REVISOR)

V O T O

SÚMULA: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO

EMENTA: APELAÇÃO - RESCISÃO DE CONTRATO - COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - CDC - PRAZO DE ENTREGA - INOBSERVÂNCIA - BOA FÉ - DANOS MORAIS CONFIGURADOS - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE

- Numa relação de compra e venda de imóvel, onde houve a assinatura de diversos contratos pelas partes, todos descumpridos por negligência da Promitente Vendedora, ocorre lesão aos bens tutelados pelo art. 5º, X, da Constituição Federal, impondo-se a manutenção da indenização por danos morais.

- "É preciso inquietarmo-nos com os sentimentos que fazem agir os assuntos de direito, proteger os que estão de boa-fé, castigar os que agem por malícia, má-fé, perseguir a fraude e mesmo o pensamento fraudulento. O dever de não fazer mal injustamente aos outros é o fundamento do princípio da responsabilidade civil; o dever de se não enriquecer à custa dos outros, a fonte da ação do enriquecimento sem causa" (Georges Ripert, in "A Regra Moral nas Obrigações Civis").

V O T O

Ouso divergir em parte do judicioso voto proferido pelo culto Relator, conforme passo a expor.

Saliento que a presente relação jurídica é regulada pelo Código de Defesa do Consumidor, uma vez que se trata de contrato de adesão, através do qual o apelado, na qualidade de consumidor, aceita uma situação contratual definida de forma prévia e unilateral pela apelante, presumindo-se não ausência de alteração substancialmente de conteúdo.

Assim, a relação deve ser vista sob a ótica do atendimento das necessidades e da proteção dos interesses econômicos do consumidor, em decorrência do reconhecimento de sua vulnerabilidade, tendo como finalidade o alcance do equilíbrio da relação consumerista.

Neste sentido, o seguinte julgado:

"APELAÇÃO CÍVEL Nº 2.0000.00.488347-2/000 - 17.11.2005 BELO HORIZONTE RESPONSABILIDADE CIVIL - INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS E MATERIAIS -- COMPRA E VENDA - BEM IMÓVEL - VÍCIO DE QUALIDADE - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. - A venda de imóveis configura uma relação de consumo, haja vista a empresa vendedora figurar como fornecedora, por se inferir perfeitamente nos ditames do art. 3º, § 1º do Código de Defesa do Consumidor. - O art. 18 do CDC estabelece a responsabilidade solidária dos fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo ou lhes diminua o valor, restando configurada a responsabilidade da vendedora, ainda que não seja a construtora do imóvel, pelos defeitos construtivos, em razão da solidariedade. - A responsabilidade por vícios de qualidade, tal como a do presente caso, não se confunde com a responsabilidade objetiva por fato do produto, envolvendo a apuração da culpa do fornecedor. Assim, para configuração da responsabilidade civil, faz-se imprescindível a comprovação da existência de: a) ato ou omissão antijurídico (culpa ou dolo), b) dano e c) nexo de causalidade entre ato ou omissão e dano". (TJMG - Apelação Cível Nº 2.0000.00.488347-2/000 - 13ª Câmara Cível - Rel. Desembargadora Hilda Teixeira da Costa - j.17.11.2005).

No caso, urge ressaltar ser fato incontroverso a ocorrência de atraso na entrega do imóvel objeto do contrato entabulado entre os litigantes.

Ademais, deve se atentar para o fato de parte apelada teve que permanecer em moradia de aluguel pelo período de agosto de 2009 a dezembro de 2010.

Com efeito, quem pretende erguer um edifício deve tomar todas as cautelas necessárias ao bom andamento da obra, traçando um rígido cronograma, e prestando informações aos promissários compradores, que estão ajudando a financiar a construção.

O que se vê é que a própria construtora, ora apelante, não entregou o imóvel na data aprazada, não tendo apresentado nenhum motivo relevante para justificar a demora, razão por que deve responder pelos ônus decorrentes da desídia, o que faz solidificar sua responsabilidade nos danos causados a parte.

Não podemos desprezar os preceitos da boa-fé. A ética impregnou o Direito Civil contemporâneo. Quanto ao princípio da boa-fé, já era definido doutrinariamente, segundo Orlando Gomes (in Contratos. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 10ª ed., 1984, p. 43):

"Para traduzir o interesse social de segurança das relações jurídicas, diz-se, como está expresso no Código Civil alemão, que as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas. Numa palavra, devem proceder com boa fé. Indo mais adiante, aventa-se a idéia de que entre o credor e o devedor é necessária a colaboração, um ajudando o outro na execução do contrato".

O preceito sobre boa-fé é considerado por Miguel Reale o "artigo-chave" do Novo Código Civil Código Civil (in Estudos Preliminares do Código Civil. São Paulo: Editora RT, 2003, pp. 75 e 77):

"Em todo ordenamento jurídico há artigos-chave, isto é, normas fundantes que dão sentido às demais, sintetizando diretrizes válidas 'para todo o sistema'.

"Nessa ordem de idéias, nenhum dos artigos do novo Código Civil me parece tão rico de conseqüência como o art. 113, segundo o qual 'os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração'(...).

"Boa-fé é, assim, uma das condições essenciais da atividade ética, nela incluída a jurídica, caracterizando-se pela sinceridade e probidade dos que dela participam, em virtude do que se pode esperar que será cumprido e pactuado sem distorções ou tergiversações, máxime se dolosas, tendo-se sempre em vista o adimplemento do fim visado ou declarado como tal pelas partes".

O Código Civil de 2002 expressou o princípio da boa-fé objetiva. Na dicção de Álvaro Villaça Azevedo (in Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos. São Paulo: Atlas, 2002, p. 26/27):

"Deve existir, ante a lealdade, a honestidade e a segurança, que se devem os contratantes, nas tratativas negociais, na formação, na celebração, na execução (cumprimento) e na extinção do contrato, bem como após esta.

"Assim, desde o início devem os contratantes manter seu espírito de lealdade, esclarecendo os fatos relevantes e as situações atinentes à contratação, procurando razoavelmente equilibrar as prestações, expressando-se com clareza e esclarecendo o conteúdo do contrato, evitando eventuais interpretações divergentes, cumprindo suas obrigações nos moldes pactuados, objetivando a realização dos fins econômicos e sociais do contrato; tudo para que a extinção do contrato não provoque resíduos ou situações de enriquecimento indevido, sem causa. (...)

"Todo o Direito dos povos obedece a esse princípio de acolher a boa-fé e de repelir a má-fé".

Na acepção de Georges Ripert (in A Regra Moral nas Obrigações Civis. Campinas: Bookseller, trad. Osório de Oliveira, 2ª ed., 2002, p. 24):

"É preciso inquietarmo-nos com os sentimentos que fazem agir os assuntos de direito, proteger os que estão de boa-fé, castigar os que agem por malícia, má-fé, perseguir a fraude e mesmo o pensamento fraudulento. (...) O dever de não fazer mal injustamente aos outros é o fundamento do princípio da responsabilidade civil; o dever de se não enriquecer à custa dos outros, a fonte da ação do enriquecimento sem causa".

Com relação à irresignação da apelante referente à condenação ao pagamento de indenização por dano moral, sorte não assiste à insurgente.

O dano moral é caracterizado pela lesão sofrida por pessoa, física ou jurídica, em certos aspectos da sua personalidade, em razão de investidas injustas de outrem, atingindo-a na esfera íntima da moralidade e afetividade, causando-lhe constrangimentos.

A Constituição Federal de 1988 preceitua, em seu artigo 5º, inciso X, que "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação".

No caso, entendo que deve ser mantida condenação ao pagamento de indenização por danos morais, já que a situação ocorrida não pode ser enquadrada como mero aborrecimento ou dissabor.

A casa própria, como todos sabem, é um sonho buscado pela maioria da população brasileira de baixa renda. Outrossim, tenho que a atitude perpetrada pela ré, ora apelante, causou abalos psíquicos ao autor, ora apelado.

Sobre o tema dano moral leciona Rui Stoco, em Responsabilidade Civil e sua Interpretação Jurisprudencial, 4. Ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, p. 653:

"Para Agostinho Alvim, dano, em sentido amplo, vem a ser a lesão de qualquer bem jurídico, aí incluso o dano moral (...).

Em sentido estrito, dano será a lesão do patrimônio, entendido este como o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro.

Avalia-se o dano tendo em vista a diminuição ocorrida no patrimônio, de modo que a questão relativa ao dano prende-se à da indenização, dando-se relevo, pois, ao dano indenizável.

Em tais hipóteses, o Código Civil prevê em seus artigos 186 e 927 que:

Art. 186: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".

Art. 927: "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".

Quanto ao direito, sabe-se que o Brasil adotou, em matéria de responsabilidade civil, a teoria subjetiva ou da culpa, e pela qual o ofendido deve provar a ação ou omissão dolosa ou culposa do agente causador do dano, a relação de causalidade ou o nexo causal, e o dano efetivamente experimentado pela vítima".

Para a configuração de dano indenizável, é necessário que se verifique a presença simultânea dos três elementos essenciais, enumerados no Código Civil, quais sejam, a ocorrência induvidosa do dano, a culpa, o dolo ou má-fé do ofensor e o nexo causal entre a conduta ofensiva e o prejuízo da vítima, o que a meu sentir restou comprovado nos autos.

Tratando da questão da fixação do valor dos danos morais, leciona Caio Mário da Silva Pereira que dois são os aspectos a serem observados:

"a) De um lado, a idéia de punição ao infrator, que não pode ofender em vão a esfera jurídica alheia; b) De outro lado proporcionar a vítima uma compensação pelo dano suportado, pondo-lhe o ofensor nas mãos uma soma que não é pretium doloris, porém uma ensancha de reparação da afronta..." Instituições de Direito Civil, V. II, Ed. Forense, 16ª ed., 1.998, pág. 242.

No caso, com supedâneo nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, tenho que o valor da condenação, no que condiz ao dano moral, arbitrado em R$ 8.000,00 (oito mil reais) deve ser mantido. A meu sentir, tal quantia esta apta a ressarcir o abalo sofrido pela parte e, mais, é inferior aos parâmetros utilizados por esta douta Câmara.

Por fim, registro que o teor da súmula 54 do STJ não se aplica ao caso em julgamento. Correta, portanto, a decisão que fixou o termo inicial dos juros de mora na citação da parte recorrente com fulcro no artigo 219 do Estatuto Processual Civil

Com tais considerações, pedindo vênia ao ilustre Relator, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO. No mais, com o Relator.

DES. ESTEVÃO LUCCHESI

V O T O

No caso do presente recurso acompanho o i. Revisor na divergência por ele instaurada, entendendo que a conduta da incorporadora viola o princípio da boa-fé objetiva e atinge os direitos de personalidade dos adquirentes.

É como voto.

SÚMULA: "NEGARAM PARCIAL PROVIMENTO, VENCIDO O RELATOR."

Fonte: TJMG