Uma decisão inédita da 1ª Turma do TRT-MG reconheceu que uma agente
comunitária de saúde tem o direito de receber a parcela Abono de Estímulo à
Fixação Profissional. A decisão é inovadora porque, para solucionar o conflito
trabalhista, o desembargador José Eduardo de Resende Chaves Júnior se baseou na
prova encontrada a partir de um link da internet. Na avaliação do julgador, com
a chegada da era tecnológica, não existe mais a separação entre o que está no
processo de papel e o que está no mundo. Sob essa ótica, o clássico princípio da
escritura está sendo substituído pelo princípio da conexão, que trouxe mudanças
significativas na forma de organização da produção de provas. "A virtualidade
da conexão - o hipertexto - altera profundamente os limites da busca da prova,
pois, como se sabe, os links permitem uma navegação indefinida pelo mundo
virtual das informações, um link sempre conduz a outro e assim por diante...",
completou.
A trabalhadora protestou contra a decisão que julgou improcedente o seu
pedido de pagamento da parcela Abono de Estímulo à Fixação Profissional, que, no
seu entender, é aplicável aos trabalhadores da área de saúde. O juiz
sentenciante havia entendido que essa parcela é destinada exclusivamente aos
funcionários públicos estatutários, e não aos empregados celetistas. Examinando
a legislação pertinente, o desembargador verificou que o Abono de Estímulo à
Fixação Profissional foi criado pela Lei Municipal de Belo Horizonte nº
7.238/1996, que determina o pagamento da parcela aos servidores do Quadro
Especial da Saúde, em percentual fixado por decreto, incidente sobre o nível
inicial do vencimento do cargo respectivo. Porém, como observou o relator, a Lei
Municipal não esclarece se os servidores do Quadro Especial da Saúde são
exclusivamente os estatutários. Entretanto, a trabalhadora juntou ao processo o
Decreto 9.163/1997, que estende expressamente o abono aos empregados públicos
municipais.
Em consulta ao domínio de Internet da Câmara Municipal de Belo Horizonte, o
desembargador verificou que esse Decreto de 1997 foi revogado pelo Decreto
Municipal 12.924/2007. Mas, conforme observou o julgador, o Decreto de 2007
também estende o abono aos empregados públicos municipais. Para o desembargador,
ficou claro que o Abono de Estímulo à Fixação Profissional não é uma parcela
prevista especificamente para os estatutários. Inclusive, a Lei Municipal
9.490/2008, cujo texto também encontra-se disponível no site da Câmara Municipal
de Belo Horizonte, estabelece que esse abono destina-se exclusivamente aos
celetistas, pois somente eles podem exercer as funções de agente comunitários de
saúde e de combate às endemias no Município de Belo Horizonte.
De acordo com o relator, em regra, cabe à parte comprovar o teor do direito
alegado, nos termos do artigo 337 do Código de Processo Civil. Mas, conforme
ponderou, na atual era da informação em rede, já não pode mais prevalecer o
princípio da escritura, que separa os autos do mundo. Na área processual já está
vigorando o novo princípio da conexão, que rompe com a antiga idéia de que tudo
aquilo que está fora do autos está fora do processo. Ao abordar o tema, o
magistrado considerou que o princípio da escritura cumpriu a sua função de dar
segurança jurídica e estabilidade aos atos processuais, mas é coisa do passado,
porque acabou separando os autos do mundo. "Com o advento das novas
tecnologias de comunicação e informação e as possibilidades ampliadas de
conectividade por elas proporcionadas, rompe-se, finalmente, com a separação
rígida entre o mundo do processo e o das relações sociais, porquanto o meio
eletrônico transcende as limitações materiais do meio de papel", ressaltou.
Em sua análise, o desembargador acentuou que o link permite a
aproximação entre os autos e a verdade (real e virtual) contida na rede, sem
comprometer a segurança jurídica dos atos processuais. Como bem lembrou o
julgador, essa possibilidade de conexão abre perspectivas interessantes quanto à
busca da tão almejada verdade real e virtual, e, além disso, provoca
transformações significativas na dinâmica do processo quanto ao ônus da prova.
Essa possibilidade vai, inclusive, influenciar no sentido de tornar o processo
um instrumento mais ético, pois o aumento da possibilidade de busca da verdade
real-virtual será proporcional à redução da alegação e negação de fatos
evidentes, virtualmente verificáveis. Nesse sentido, a transição da mídia de
papel para a mídia eletrônica altera a racionalidade do processo.
Portanto, de acordo com a conclusão do desembargador, a partir desse novo
princípio da conexão, a Tecnologia da Informação e da Comunicação (TIC) passa a
exercer influência sobre os princípios da ciência processual e redesenha a
teoria geral tradicional do processo. Com essas considerações, o desembargador
deu provimento ao recurso da trabalhadora e deferiu o seu pedido de pagamento do
abono de estímulo à fixação profissional, com reflexos, em função da sua
natureza salarial. A Turma julgadora acompanhou o voto do relator.
Fonte: TRT/MG